A ARTE DE ESCREVER 9 – Técnica e engenho ao escrever para cinema e televisão

A arte de escrever séries, filmes, novelas e outros formatos do cinema e da televisão, e agora também a outros midia e suportes, tem história relativamente recente (pouco mais de cem anos da capacidade de registrar imagens em movimento), mas as fórmulas, as fôrmas e as formas foram estudadas com tal intensidade e constância, que o tema só não se exaure pela infinita criatividade dos grandes artistas, grandes roteiristas e grandes diretores.

A indústria do cinema norte-americano criou um modelo narrativo exitoso do ponto de vista do sucesso comercial; voltado para o entretenimento, e após estudo em detalhe dos filmes históricos de grande bilheteria, o roteiro hollywoodiano prescreve encadeamento fílmico que delineia o tempo máximo para apresentação das personagens, o modo de desenvolvimento das ações, os pontos de clímax e de viradas diegéticas, o momento do clímax e formatos para moldura de encerramento.

O roteiro tem se sofisticado, também, para segmentar os produtos finais por faixa etária, por nichos de público, por duração, por investimento, e por muitos outros parâmetros.

Com a sofisticação e miniaturização das câmeras e a qualidade de filmagem e fotografia dos aparelhos celulares, os filmes de curta duração têm proliferado, com centenas de festivais, milhares de atividades escolares e acadêmicas, e uma miríade de cursos na internet.

Aqui, tendo por base o livro “Roteiro: arte e técnica de escrever para cinema e televisão”, um dos primeiros livros do gênero escrito por um brasileiro, o roteirista Doc Comparato, listamos algumas dicas para quem quer escrever roteiros. Para nossa lista, considerando o caráter introdutório ao tema desta aula, utilizamos a terceira edição do livro, de 1983, que contou com colaboração e redação final de Regina Braga.

Na página de rosto, a Editora Nórdica afixa a seguinte observação: “Primeiro livro de ‘Play-Witring’ em língua portuguesa”. A obra se divide em sete blocos, configurando-se como um manual prático da escrita de roteiro e também contendo uma visão geral rápida para atuação na área de escrita de roteiros. No final, um glossário de termos técnicos auxilia iniciantes no aprendizado.

Vamos a algumas das dicas para a elaboração de roteiros, buscando aquelas mais gerais, de interesse em vários formatos e mídias. Embora baseado no livro, a linguagem que utilizamos abaixo não segue necessariamente a do original.

  1. Roteiro é a forma escrita de qualquer espetáculo de áudio e/ou áudio-visual, e dever ter três qualidades essenciais: Logos, Pathos, Ethos ─ ou seja, organização verbal, drama humano, e significado semântico.
  2. O roteiro parte de uma “story-line”, uma frase que sinteriza o roteiro a ser desenvolvido em um argumento, que é estruturado com a criação das personagens e das ações das personagens em cenas sucessivas.
  3. É preciso estar atento ao tempo de atenção do potencial receptor do produto. Em um livro, cerca de 50 páginas. No teatro, entre 30 e 45 minutos. No cinema, no máximo em 20 minutos. Na televisão, três minutos, o que exige dinamismo nas cenas e uma sucessão de microápices dramáticos. Em um comercial, e na internet, o tempo para fisgar o receptor é de segundos, em algumas circunstâncias, um pouco mais. Entretenimentos passivos (televisão e cinema, por exemplo) dispõem de menor tempo para conquistar o receptor do que entretenimentos ativos (um livro, por exemplo, embora a receita de bestsellers prescreva ação e drama desde as primeiras linhas, para que o leitor não largue a obra).
  4. As qualidades necessárias para um trabalho criativo passam pela concentração, pela inspiração, pela memória, pela fé e autoconfiança, pela intuição e autocrítica, pelo abandono de todas as certezas, por trabalho duro, incessante, diário.
  5. Nunca despreze uma ideia; ideias valem ouro e pague por elas, caso recorra a uma ideia de outra pessoa; sempre dê crédito à fonte das ideias de que se vale. As ideias geram story-line. O story-line deve conter o ponto de partida da narrativa, a indicação dramática de desenvolvimento narrativo e a solução do conflito.
  6. O argumento faz um resumo da narrativa a ser desenvolvida a partir da proposta da story-line, indicando temporalidade, localização, percurso narrativo, perfis das personagens. Deve considerar os fatores objetivos da produção, tais como custos, locações, equipe. O argumento é a primeira forma textual do roteiro, servindo de guia para a redação do roteiro.
  7. A construção das personagens deve considerar aparência, personalidade, origem social e étnica, onde cresceu e onde reside, o que faz para viver, situação econômica e familiar atual, círculo de amigos, características pessoais e idiossincrasias. Um personagem deve ter densidade, passado, ainda que essas informações fiquem subjacentes no produto fílmico final.
  8. É necessário ter um drama básico, um conflito que faça a ação caminhar, que impacte as decisões das personagens e que force novas ações, subconflitos e dramas. O pathos que emerge do roteiro, e conquista a plateia, nasce do conflito universal proposto pelo enredo e decorre do pathos que move cada personagem.
  9. O centro da ação dramática é o “Plot”. O “Plot” é a configuração dramática das ações encenadas, encadeadas em causas e efeitos sucessivos, a intriga que move a narrativa, e a totalidade que forja a unidade nascida das ações que se sucedem. O “Plot” compõe um núcleo dramático, mas pode interligar vários núcleos dramáticos, como nas novelas de televisão.
  10. A estrutura clássica de um roteiro tem três atos. No primeiro, o problema é apresentado como uma situação desestabilizadora, as personagens são delineadas e o conflito emerge, antecipando problemas. No segundo ato, há a complicação do conflito, a crise entre as personagens, e há um ponto de reviravolta, com a criação de suspense e surpresa. No terceiro ato, o clímax surge como reversão de expectativas e resolução do problema e dos demais conflitos.
  11. A estrutura dramática deve ser em crescendo emocional permanente, até o clímax, já próximo ao desfecho, quando se dá o epílogo narrativo. Para produtos interrompidos por comerciais, o roteiro deve prever pontos dramáticos de alta tensão, com ganchos que criem expectativa, ao final de cada parte.
  12. Desenvolvimento longo ou curto pode gerar desinteresse do público.
  13. A estrutura ─ com a relação das cenas de cada parte ─ deve ser trabalhada e retrabalhada até alcançar equilíbrio e efetividade dramática.
  14. Cena pode ser definida pela unidade de espaço em uma ação ou pela entrada ou saída de personagens. Utilize o conceito do modo mais adequado aos seus propósitos ─ em outras palavras, qualquer diretriz prévia deve ser validada pelo seu roteiro em específico, que pode ter exigências dramáticas diversas daquelas prescritas pelos manuais, inclusive essas aqui expostas.
  15. Ao fazer o script final do roteiro, faça as indicações necessárias para a equipe de filmagem transformar o roteiro em produto fílmico. Não exagere, no entanto ─ o diretor e outros membros da equipe, além dos atores, devem ter margem para intervirem. Trata-se de um produto coletivo, com a participação criativa de todos os envolvidos.
  16. Evite momentos mortos, que pouco ou nada acrescentam ao pathos do drama encenado (encenado aqui também se refere ao texto escrito, ao diálogo e às rubricas que constam do script); evite diálogos sem função no drama (por não induzirem personagens a novas ações, por não apresentarem nada novo para o desenvolvimento dos conflitos) ou na estrutura (ganchos, reflexão, momento de humor, etc.).
  17. Considere o trabalho de revisão do roteiro a cada etapa e mesmo após considerar o roteiro finalizado. É importante que o roteiro seja avaliado constantemente por parceiros da equipe de produção e a partir disso reescrito, se for o caso.
  18. A adaptação de textos literários, muitas vezes, parte de um fragmento da obra, a partir do qual o roteirista desenvolve personagens, diálogos, ações dramáticas, cenas, sequências e “plots” paralelos. No entanto, a obra original não deve ser descaracterizada e nem desfigurada a visão de mundo do autor literário; em outras palavras, autor e obra original devem continuar reconhecíveis.

Reitero que, tendo partido do livro de Doc Comparato, e à sua obra me reportando, a forma final acima é de minha responsabilidade, caso haja erros, omissões, acréscimos ou desajustes conceituais.

No livro, além do Glossário, já mencionado, há ainda uma lista de trinta perguntas para auto-avaliação que devemos sempre “fazer ao analisarmos nosso roteiro” e depoimentos de Leopoldo Serran, Euclides Marinho e Aguinaldo Silva.

Marinho enfatiza a intuição e o inconsciente como fatores importantes no processo criativo; Silva afirma que o cerne de uma obra fílmica (cinema, seriado, novelas) é a “boa estória”, ou seja, a criação de um enredo com “capacidade criadora”, no qual a técnica de escrever é menos importante do que a capacidade de inventar histórias; por seu lado, Serran faz uma lista de dicas, da qual destacamos uma: “Filmes não são teses”, ou seja: caso queira provar algo, escreva filosofia, sociologia, antropologia, “o diabo que seja”.

Isso, complementamos, porque o cerne do roteiro está na vida e emoção de personagens vivos como todos nós, que os vemos na linhas de um livro, no escuro do cinema ou nas telas, da tevê, do computador ou do celular.

Vamos agora preparar um pequeno roteiro de um filme cuja câmera será o nosso celular? Eis um prático curso na internet que pode auxiliá-lo na empreitada:

< https://www.udemy.com/course/curso-de-roteiro-de-audiovisual/?src=sac&kw=curso+de+roteiro >.

Até a próxima semana, com uma nova aula!

Rauer Ribeiro Rodrigues
Professor; escritor; em travessia

Informação importante: O Prof. Rauer ministrou, há alguns anos, na pós-graduação de Letras / Estudos Literários do Campus de Três Lagoas da UFMS, um Curso de Escrita Criativa; a nosso pedido, alguns dos textos que serviram de diretriz para as aulas, aqui comentados pelo professor, vem sendo publicados e continuarão a ser replicados no Blog da Editora Pangeia ao longo das próximas semanas e meses. Além dos textos que então utilizou no curso, o professor incluiu outros, ampliando o escopo do curso para um público além dos estudantes universitários. Não perca! Vale a pena acompanhar. (Rízio Macedo Rodrigues, Editor, Editora Pangeia).

TEXTOS ANTERIORES DESTA SÉRIE

Apresentação: “Como publicar seu livro”:
https://editorapangeia.com.br/como-publicar-seu-livro/ >.

Aula 1: “A arte de escrever 1 – As oito lições de Isaac Babel”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-1-as-oito-licoes-de-isaac-babel/ >.

Aula 2: “A arte de escrever 2 – Os segredos da ficção, segundo Raimundo Carrero”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-2-os-segredos-da-ficcao-segundo-raimundo-carrero/ >.

Aula 3: “A arte de escrever 3 – Evite verbos de pensamento”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-3-evite-verbos-de-pensamento-essa-e-a-dica-de-palahniuk/ >.

Aula 4: “A arte de escrever 4 – Dicas de 15 escritoras”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-4-dicas-de-15-escritoras/>.

Aula 5: “A arte de escrever 5 – 29 aforismos sobre o microconto”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-5-29-aforismos-sobre-o-microconto/>.

Aula 6: “A arte de escrever 6 – Dicas ao escrever para crianças e para jovens”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-6-dicas-ao-escrever-para-criancas-e-para-jovens/>.

Aula 7: “A arte de escrever 7 – O haikai: síntese, concisão e expressividade”:
< https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-7-o-haikai-sintese-concisao-e-expressividade/ >.

Aula 8: “A arte de escrever 8 – Hemingway: 33 dicas e leituras indicadas para um jovem escritor”:
< https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-8-hemingway-33-dicas-e-leituras-indicadas-para-um-jovem-escritor/ >.

 

A ARTE DE ESCREVER – links descritivos de todos os artigos da série.

https://editorapangeia.com.br/blog/

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