Haicai-Brasil: selecionados

UM  PAÍS  DE  HAICAÍSTAS

Abaixo, inicialmente, um texto dos organizadores do Concurso e do livro Haicai-Brasil, na sequência, a lista dos selecionados no Concurso e, por fim, informações e agradecimentos da Pangeia Editorial e das Edições Dionysius diante do sucesso do Concurso e da expectativa do lançamento do eBook e, posteriormente, do livro com os 500 haicais selecionados. Vamos às boas novas.

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cultive a terra
plantando com suor
um país de haicais

NEMPUKU SATO

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Esperamos um tempinho entre ansiedades que se multiplicavam por organizadores, autores, curadores e editores… e então fez-se a notícia, com a divulgação dos concorrentes que foram selecionados para compor o livro Haicai-Brasil, em concurso universal da Pangeia Editorial para publicação no selo Edições Dionysius.

No total, são 125 autores, cada um deles com quatro haicais selecionados… com exato meio milhar de haicais, oriundos de uma seleção em que os inscritos chegaram a quase duas centenas. O resultado nos mostra que somos, também, neste Brasil de tanta diversidade, um país de haicaístas.

Já dizíamos isso antes de conhecer o haicai de Nempuku Sato que agora consta em epígrafe e que foi publicado em 26 de setembro no perfil @haikai.brasil do instagram. Nepumku Sato (1898-1979) chegou ao Brasil em 1927. Tendo estudado o haicai, no japão, com mestres japoneses, se impôs a tarefa de divulgar a arte da forma, da “fôrma” e do ethos do haicai na nova terra.

Importa destacar que, sim, somos um país de multiplicidades, um país que tem a poesia na alma, um país que diverge de si mesmo e em si mesmo na diacronia de sua história e no presente síncrono de seus desencontros. Somos capazes de nos inventarmos e reinventarmos a cada instante, a cada momento, na antropofagia oswaldiana, nesse nosso caldeirão das múltiplas identidades, na multimistura pluriheteróclita, na mescla e coalescência dos antípodas, na violência que nos irmana e dilacera.

E também e em especial na poesia e no poético que nos forja: temos Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves; temos Euclides da Cunha, Augusto dos Anjos e Lima Barreto; temos Machado de Assis, Hilário Tácito e Mário de Andrade; temos o Manuel Bandeira autor de Libertinagem, o Jorge de Lima, de Invenção de Orfeu, e o Carlos Drummond de Andrade, de A rosa do povo; e temos, no âmbito das microformas, sejam as poéticas ou as narrativas, Guilherme de Almeida, Paulo Franchetti, Dalton Trevisan e Pedro Lira – por óbvio, em menções quase aleatórias, de pouquíssimos nomes, em meio a centenas, a milhares de autores brasileiros dos últimos 200 anos, sem dizer que poderíamos voltar ainda mais, ao período luso-brasileiro, nos séculos coloniais, de Gregório aos árcades, dos viajantes aos românticos – e sempre confirmando a diversidade.

Nessa trajetória, além da chegada de Nempuku Sato, devemos marcar uma outra data: o dia 18 de junho de 1908, quando atracou, no porto de Santos, SP, o navio Kasato Maru – e, nele, as primeiras famílias de imigrantes japoneses para o Brasil. Nos sonhos, a esperança; na bagagem, a tradição do haikai. Veja, a esse respeito, um haikai disponível no já mencionado @haikai.brasil, em

https://www.instagram.com/p/CiLnFkuLKPS/

É preciso dizer, no entanto, que o haicai já nos chegara, por via interposta de viajantes de língua inglesa e o interesse de alguns escritores de língua portuguesa, mas ele agora aportava com falantes nativos na língua de origem.

E assim, dos kanjis e do alfabeto de origem, ambos imagéticos, aglutinadores, de sintaxe sintética, se forja um novo modo de expressão na língua portuguesa, e o haiku nipônico – 俳句 – se traduz em haikai e chega ao VOLP na transliteração haicai. Em português, língua de vocábulos mais longos, de sentenças carregadas de pronomes e conjunções, e no falar à brasileira, sem sinéreses e elipses, sem elisão de vogais, que antes se alongam, antes se replicam em várias anáforas, antes se espraiam em ênfases reiterativas…

E assim sendo, o haicai vem a ser, na Língua Português, um esforço contra-hegemônico, um aprendizado de síntese e de expressão com o mínimo. E de tal modo nos afeiçoamos à síntese, que ampliamos o repertório de modos de narrar e de poetizar, o que vem a ser sempre uma das conquistas que a tradição literária sempre lega à língua na qual se constrói.

Isso, quanto à expressão verbal; no entanto, há outro aspecto que se mostra também de capital importância: o haikai se veste do campo cultural do budismo, do universo zen, da apreensão do real por lentes ao mesmo tempo de objetividade e de contemplação.

No feérico e um tanto quanto violento Brasil nosso de cada dia, na agitação de nossas metrópoles e de nosso inquieto ethos, o estado de observação da natureza, da reflexão interiorizada, da prece e meditação transcendental, nos parece alheio – e são todos esses aspectos elementos cruciais do modo de ser da construção anímica do haiku, e por extensão do haicai.

Falamos aqui do haiku que surge ao se autonomizar diante do hokku, estrofe inicial que compunha o renga – de certo modo, movimento que nos permite ver na tradição poética o senryu, com seu caráter de tratar de temas cotidianos, farsecos, burlescos, prosaicos – e mesmo políticos, sociais, fesceninos e satíricos.

Em ambos os aspectos, na vertente minimalista da linguagem e na vertente do ethos zen, cultivar o haikai é forjar um modo de ser ao avesso do patrimônio cultural prevalecente que temos, entre pantagruélico, expansivo, derramado e verborrágico. Essa, a importância maior de valorizarmos a forma e a fôrma do haicai, do tanka, do senryu e mesmo do renga, pois com eles nos tornamos mais amplos no horizonte do que somos e – em especial – nos tornamos mais densos e potentes na profundidade do que podemos ser, incorporando o minimalismo e o contemplativo na nossa poliédrica face.

Foi assim que a Comissão Avaliadora leu os mais de mil e seiscentos haicais que recebemos.

A Comissão Julgadora os leu com os sentimentos da urgência e da perplexidade. Com o senso da diversidade, na procura simultânea da tradição e do novo. Visava encontrar, a cada poema, a expressão verbal maior da língua e a vivência pessoal do poeta.

Tinha, por parâmetros, os critérios mais característicos do haikai tradicional: o espírito zen; os dezessete sons em 5/7/5 na métrica da poesia de língua portuguesa; o movimento do fluido ao constante, cristalizado no 3º. verso, após a cesura, em imagem tanto mais inesperada quanto também absolutamente simples e natural.

Eis os critérios norteadores da leitura:

  1. Dezessete sons, ao modo da lírica de língua portuguesa;
  2. Preferencialmente, no quadro tradicional – 5/7/5 sílabas –, mas admitindo variações;
  3. Preferencialmente, com kigô, cesura, contemplação – mas sem rigor absoluto quanto a conter todos esses critérios;
  4. Preferencialmente, com visões alternadas entre o micro, no primeiro verso, e o cosmos, no segundo verso, configurando uma imagem original, após a cesura, no terceiro verso, mas também sem fazer dos três passos uma exigência absoluta;
  5. A opção do poético descartava o mecânico, e a simplicidade tinha preferência à elaboração cartesiana, de fundo antes ocidental que oriental.

Nas idas e vindas das leituras e deliberações, a sensação de que os haicaístas do novo país do haicai bebem na fonte tropical, no espírito do carnaval, na ginga do futebol, nas dores de ancestrais africanos e dos povos originários – de tal modo que, no panorama que se abria, devíamos optar por ser panorama.

Em outras palavras, sermos mostra e amostra, evitarmos a crítica e o juízo de antologiador, seguirmos o fluxo da leitura em caráter de apreensão e evitarmos o caráter judicativo extremado. E assim, aqui está uma seleção cujo volume a ser publicado nos diz o modo pelo qual inspirados haijins iniciantes se apresentam ao lado de reconhecidos estudiosos do haicai, cultores zen da visão de mundo oriental.

Nos temas, predomina flagrantes da natureza, com kigos que em alguns casos surpreendem, em outros estão evocados de modo menos natural, ao lado da evocação da amizade e do amor, de lamentos em decorrência da pandemia e, até, de sentimento íntimo e de sátiras, inclusas aquelacujo alvo é a política.

Na quadra histórica desses tempos horribilis et terribilis em que vivemos, – tempos assim constituídos com o ocaso civilizatório, com a assunção da barbárie que julgávamos primitiva, medieval ou selvagem –, a lição revivida a cada poema é de que a arte importa porque o viver é não só insuficiente, mas se torna grotesco e inumano se lhe falta poesia.

Esse é um tempo em que há, no cotidiano público, a negação do humano – e então cada novo haicai é uma lição perene de que há alguma possibilidade de que a humanidade supere o caos dos dias e que impere a poesia e a paz.

Estamos certos de que essa coletânea reúne, na diversidade que encerra, exemplos da arte poética acima descrita, embora contenha também passos iniciais no aprendizado do espírito linguístico e da alma contemplativa do haikai original.

Sejam haicai maduros, sejam poemas ainda a serem refeitos, importa-nos dizer que o livro que será publicado conterá uma recolha que, além de nos mostrar sendo, coletivamente, um país de haicaístas, nos define na esperança da poesia e no esperançar de um tempo novo.

Eis – em Sumário, na sequência – os poetas que vão compor o livro.

Rauer Ribeiro Rodrigues
Willia Katia Oliveira
Organizadores

Haicai-Brasil
– selecionados –
2022

AGNES IZUMI NAGASHIMA
ALAM DA SILVA LIMA
ALBERTO VALENÇA LIMA
ALESSANDRA RODRIGUES DE ALMEIDA LIMA
ALEXANDRE MORAIS PAULINO
ALINE BRASIL QUADROS
ANA CLARA LOURENÇO DE PAULA FERREIRA
ANDRÉ MARQUES VILELA
ANGELA LEITE DE CASTILHO SOUZA
ANTONIO DE PADUA POMBO DE BARROS
ANTONIO MARQUES PEREIRA FILHO
BORIS RODRIGUES GARAY
BRENO AIRAN PINHEIRO DE BRITO
BRUNO COLA GREGGIO
BRUNO ITALO SOUSA PINTO
CAIO VICTOR BULLA DE CARVALHO
CARLA ABREU DE FARIA BARRETO
CARLOS ALBERTO MARTINS MANUEL
CARLOS ROQUE BARBOSA DE JESUS
CÍCERA ROSA SEGREDO YAMAMOTO
CLAUDIO LUIZ FERREIRA
CLENIO FIGUEIREDO SALVIANO
CRISTIANE KOVACS CARDOSO
DANIEL MORINE MARTINS DA SILVA
DAVID EHRLICH
EDUARDO SUSSUMO SMOZONO
ELIDIOMAR RIBEIRO DA SILVA
ELIZANDRA SABINO MARQUES TAVARES
EMANUEL ARAUJO PEREIRA
EMMANUEL SCHEREN DOS SANTOS
FABIANA DE PAULA LESSA DE OLIVEIRA
FELIPE CAMILO MESQUITA KARDOSO
FERNANDO HIROKI KOZU
FRANCINE CRUZ GRISON
FRANCISCO CARLOS ROCHA FERNANDES
GERALDO TROMBIM
GILMARA CARNEIRO DA SILVA FREITAS
HENRIQUE AMARANTES DO AMARAL
IARA CLARICE SABINO ALVES
IGOR LUAN SOUZA SILVA
ILZA MARINA REHFELD SANTOS
ISATHAI MORENA DO VALLE COELHO COSTA SILVA LEAL
JADER HENRIQUE BARBOSA MACEDO
JAIME ADILTON MARQUES DE ARAUJO
JAIME BARROS DOS SANTOS JUNIOR
JAIME MACHADO VALENTE DOS SANTOS
JAQUELINE ALVES MONTEIRO
JEAN CARLOS NERIS DE PAULA
JOAO DE DEUS SOUTO FILHO
JOÃO VICTOR PETRONI RORIGUES
JONAS PESSOA DO NASCIMENTO
JOSE CARLOS MENDES BRANDÃO
JOSÉ EDINALDO MONTEIRO DA SILVA
JOSNEIA APARECIDA MARCONDES
JUREMA NOGUEIRA MENDES RANGEL
KATHIA GIUGLIANO DE SOUZA BONNA
LARA BEATRIZ PEREIRA BARROS
LETICIA FERNANDES LEAL
LÍGIA MARIA FOGAGNOLLO
LIGIA MARIA LAMARI
LILIAN SAEKO TABA
LILIAN REGINA SCHMEIL
LUCAS MELLO PIONER
LUCIANA DA COSTA E SILVA ANDRADE
LUCIANO FELIZARDO DOS SANTOS JÚNIOR
LUIZ CARLOS JUNQUEIRA MACIEL
LUIZ EDUARDO DE CARVALHO
LUIZ FRANCISCO HAIML
MARIA LUIZA DE SOUZA BORTOLETTO
MARCEL SEPÚLVEDA BELIENE JÚNIOR
MARCELO DE LACERDA
MARCIA MARIA SANTOS NEVES
MARCOS ANTONIO CAMPOS
MARCOS ANTONIO FREIRE MARTINS
MARIA DO CARMO PIRES
MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA
MARIO GONÇALVES DIAS JUNIOR
MARISA DI GIAIMO
MARLI TRISTÃO DE OLIVEIRA SOUZA
MARLUA DE SOUSA CORREIA
MARTHA REGINA PORTELLA MACHADO CEREDA
MATHEUS MOREIRA MORIGONI
MAURICIO DE OLIVEIRA
MAYRON ENGEL ROSA SANTOS
MICHELE LIMA CAVALCANTE
MILTON CARLOS DE OLIVEIRA REZER
NANCY KEIKO
NARI HUGEN
NERCY GRABELLOS
NILVA IRENE SCHUTZ FERRARO
NIMA SPIGOLON
NORANEY ALVES LIMA
PABLO CERMENO MENDONÇA KASCHNER
PATRICIA DE ABREU OLIVEIRA
PATRÍCIA SOUZA DE SENNA
PAULO CEZAR DE OLIVEIRA TORTORA
PAULO ROBERTO ALEIXO
PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA CARUSO
RAPHAEL MORBECK ESTEVES
RIANN KARLO DE BRITO LEITE QUINTINO
RICARDO LIMA DOS SANTOS
RICARDO BAHIA RACHID
RODRIGO MILTON MORAES
RODRIGO SOLER NINO
ROGERIO AOYAMA
ROQUE ALOISIO WESCHENFELDER
ROSA MARIA GURNIAK FURLANETTO
ROZELENE FURTADO DE LIMA
SANDRA FRANCO BITTENCOURT
SANDRA MARIA CAVALCANTE FONTENELE
SANDRA LAURITA DE SOUZA
SERGIO CORRÊA MIRANDA FILHO
SÉRGIO FRANCISCO PICHORIM
THAIS HELENA BUENO DOS SANTOS
THAYS CRISTINNE ALVES COELHO
TIAGO DA SILVA
TULIO AUGUSTO VELHO BARRETO DE ARAUJO
VALÉRIA DE CASSIA PISAURO LIMA LUCENA
VALQUÍRIA CARDARELLI
VINICIUS POSANSKY
VIVIANE CRISTINA MOURA LEITE
WALISSON OLIVEIRA SANTOS
WIANA KELL AGUIAR CAJADO
WLADIMIR MOREIRA SANTOS
ZENAIR BORIN DA LUZ

A Pangeia Editorial e as Edições Dionysius, o selo de literatura da Pangeia, estimam que o eBook relativo ao Concurso estará disponível em nossa loja na primeira quinzena de dezembro. O livro físico será publicado em 2023. Os autores serão contactados por e-mail ao longo dos próximos meses.

Agradecemos autores e autoras, haijins brasileiros, aos selecionados e aos que não foram selecionados; aos que divulgaram, aos que apoiaram, e aos que nos contataram mas não puderam enviar seus haicais; a todos, e a nossos leitores em geral, informamos que em breve lançaremos outro concurso, similar a este.

Enquanto isso, nos acompanhem em nossas redes sociais, em especial – no Instagram – os perfis @haikai.brasil, @pangeiaeditora e @edicoes.dionysius. Por lá, e nos comentários aqui do Blog, ou por e-mail, seguimos sempre à disposição para o diálogo.

Arigatô.

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