Dia do Professor – Educação, Cultura e Leitura

“A educação deve ser realizada dentro de um quadro cultural que aplaude a (des)educação no sentido de um caminho de superação e libertação do que foi ensinado” – José Eduardo Alcázar.

A cada 15 de outubro se comemora, no Brasil, o Dia do Professor. Reconhecimento ou mea-culpa?

Sem entrar nessa discussão, aproveitemos a data no espírito de homenagem e de reflexão. Para tanto, trazemos o artigo “Educação, cultura e leitura”, do romancista e cineasta José Eduardo Alcázar, um brasileiro radicado no Paraguai. Esse texto foi publicado no dia 1º de outubro no jornal ABC, de Asunción, Paraguay, e é reproduzido com autorização do autor.

Por aqui, deixamos, de início, por parte da Pangeia Editorial e seus selos, Dionysius, Pangeia e Saruê, a mensagem final de Alcázar:

Obrigado, Professor!

 Educação, Cultura e Leitura 

«Nas instituições ensina-se com margem estreita,
ensina-se com alma mesquinha», afirma o romancista e
cineasta José Eduardo Alcázar neste artigo, em que
defende o gozo da leitura, da imaginação e da (des)educação
como caminho de superação e libertação do ensinado. 

POR JOSÉ EDUARDO ALCÁZAR 

01 de Outubro de 2023, – 01:00 – https://www.abc.com.py/edicion-impresa/suplementos/cultural/2023/10/01/educacion-cultura-y-lectura/ 

 Educação e cultura devem andar de mãos dadas. O exercício de técnicas pontuais que levam a conhecimento determinado deve ser feito dentro de um quadro cultural que permita a distração benéfica do olhar comprometido com um objetivo. 

Ensinar a desenhar, mostrar como as linhas de um rosto são traçadas, por exemplo, levará à aprendizagem do desenho e poderá formar um desenhista eficiente, que domine as técnicas do desenho. Mas é muito provável que o desenhista formado desta forma tenha muito a ganhar com a visita a um museu onde são expostas obras de grandes pintores. É muito provável que o nosso desenhista desse exemplo, imerso neste caldo de cultura que lhe é dado no museu e suas obras, transforme tudo o que aprendeu nas aulas de desenho. 

É quase certo que a exposição aos professores lhe permitirá uma leitura renovada do conhecimento adquirido e os enriquecerá em seu ofício. 

As aulas de desenho podem ser quantificadas em horas de aprendizagem. Pode-se dizer que um aluno, com algum interesse ou aptidão para o desenho, aprende a desenhar em um determinado número de horas de aula. Não se pode quantificar da mesma forma a visita a um museu. Quantas horas de visita produzem algum conhecimento? Depende. Depende de tantos fatores que a pergunta é anulada. 

Muitas vezes a educação padrão procura minimizar os desvios de atenção que possam surgir entre o que estuda e o objeto estudado. O estudo da história, para dar outro exemplo, procura destacar pontos altos de um acontecimento, procura dar-lhes explicação e pretende que o aluno repita o que lhe foi dado como informação. 

Quanto mais próxima do dado inicial for a forma como a lição é repetida, melhor será considerado o resultado do que foi aprendido. Não se deixa margem para o pensamento crítico, aquele que coloca em perspectiva, aquele que questiona, aquele que indaga; não se deixa espaço para a imaginação, ela, que sempre busca o acerto, errando com felicidade, sem angústias por não acertar. 

Ela, a imaginação, vai acertar em algum momento. Não porque a sorte lhe caia, de forma alguma. Acerta porque faz do erro um método para chegar ao acerto. 

Falamos de desenho, de história, mas em outras matérias que educam acontece algo semelhante: nas ciências, nas instituições ensina-se com margem estreita, ensina-se com alma mesquinha. 

Não se diz, não se revela, mas espera-se que o aluno treinado desta forma possa ocupar o seu espaço predeterminado dentro da sociedade oficiosa, porque cheia de ofícios. Procura- se fabricar engenheiros, médicos, arquitetos, quando se deveria formar homens de ciência, homens de arte, homens de ética. 

Muitas vezes espera-se que o aluno domine tudo o que foi ensinado, mas as suas asas são cortadas para ir mais longe. Não se diz, mas pretende-se formar técnicos e pouca coisa mais. É um milagre que o pretendido técnico, por vezes, quebre as amarras e saia para voar. Na maioria das vezes, o voo ensaiado não será a realização da educação recebida. Será uma ruptura contra a educação recebida. 

A presença de uma biblioteca em um local de estudo ajuda a distrair o olhar que se propõe fechado. Mas não basta ter uma biblioteca em algum lugar da instituição de estudo. É imperativo que a biblioteca esteja presente na sala de aula – alguns livros são suficientes para que o professor de todos os dias tenha à mão e use a única ferramenta que ensina a ler, o livro. 

O livro na sala de aula, o livro usado diariamente na sala de aula, o livro que distrai na sala de aula, na frente de todos, sem medo de fazê-lo, é a única maneira de ensinar a ler. 

Sem livros na sala de aula não há educação, embora possa haver tecnificação. 

Uma parte da sociedade aplaude este resultado técnico, formador de agentes ao serviço de um modelo comprovado e repetido. Teríamos de procurar caminhos diversos. Devemos sempre festejar a formação de atores possíveis para a mudança, para a novidade, leitores, leitores, leitores sem fronteiras. 

A educação deve ser realizada dentro de um quadro cultural que não só a permita e apoie, mas também aplauda a (des)educação no sentido de um caminho de superação e libertação do que foi ensinado. 

Lembro-me aqui do meu último professor de escola na sua despedida na sala de aula. 

“Nós nos despedimos e espero que tudo o que eu lhes ensinei possa ser virado, a partir de hoje, como se desejassem ver-se livres das minhas palavras. Não temam esse momento. Algo será perdido neste derramamento do copo. O que sobrar é a minha contribuição para a vida de cada um de vocês”. 

Obrigado, professor! 

José Eduardo Alcázar
Brasileiro, mora atualmente no Paraguai. É Romancista e cineasta.
Entre seus livros, mais recentes, em português, destacamos:
Teoria dos Rostos e A Eleição do Presidete da República pelos
Internos do Manicômio Nacional

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