A artesania de Osmar Casagrande Júnior ao ler Adriana Lisboa

Adriana Lisboa é, certamente, uma das mais impactantes autoras da literatura brasileira de nossos dias: o tempo dirá. Enquanto o tempo não diz, pesquisadores como Osmar Casagrande Júnior estão nos dizendo.

Ao vasculhar com olhos atentos os espaços na obra da autora carioca, Osmar nos conduz por um encontro humano e frutífero. Sem descuidar da erudição ou de referenciais teóricos importantes, o estudioso nos apresenta facetas de Adriana que só são acessíveis aos apaixonados pela arte da palavra. E essa paixão, que mobiliza Osmar intelectualmente para o estudo, toca a sensibilidade do leitor para uma experiência aberta e muito franca de leitura e análise.

Não é por outra razão que o estudioso trata a autora apenas como Adriana. Assim mesmo, apenas o prenome. A leitura dessa pesquisa é convite para tomamos parte desse encontro. E seguimos orientados, por um lado, com a acurada leitura teórica de Osmar e, por outro, pelo texto da própria Adriana. Assim, esse caminhar de aprofundamento intelectual é percorrido sem perdermos de vista aquilo que mais nos interessa quando tratamos de literatura: a palavra literária que traz em seu bojo a profunda e – muitas vezes difícil – dimensão humana da experiência.

É logo no título do capítulo I da pesquisa que nos são apresentados elementos fundamentais para o trabalho: descrição e espaço. Refletindo sobre esses dois conceitos a partir de uma perspectiva fundamental da mímeses, Osmar estabelece diálogo com outros importantes pensadores de nossa cultura nacional, como Tânia Pellegrini, Luiz Costa Lima, Karl Eric Schøllhammer e Antonio Candido. A obra de Adriana não fica, no entanto, em nenhum momento, em segundo plano. A teoria é consultada, questionada e revisada na medida em que interessa para iluminar o texto literário.

Entrelaçam-se, assim, questionamentos, problematizações, negações de órbita teórica e o texto potente de Adriana Lisboa para a construção de uma perspectiva autoral de Osmar. Artesania descritiva é a categoria que o autor estabeleceu para dar conta de explicar seu olhar para a obra de Adriana Lisboa:

Esse palimpsesto dos textos de Bandeira e Adriana, apresentados pelo que chamamos de artesania descritiva, concretiza-se na apresentação de um cotidiano comum, mas que se singulariza na descrição por sua função na narrativa e, no caso, pela aproximação metafórica com o poema “Maçã”. (CASAGRANDE, Osmar; in: Artesania descritiva nos romances de Adriana Lisboa).

Com esse conceito, Osmar amarra as reflexões sobre espaço e sobre descrição em uma construção teórica ao mesmo tempo autêntica e potente. É a contribuição desse estudo para o campo de pesquisa.

Osmar, em evento na UFMS

Ao tratar sobre “a crítica dos espaços estetizados” na obra de Adriana Lisboa, Osmar se debruça a evidenciar por quais instrumentos estéticos a autora empreende sua crítica ao contemporâneo. Ao registrar o tempo histórico a partir das vivências imediatas, ou seja, a partir de dentro do fluxo dialético da história, a literatura o faz com instrumentos que lhe são próprios. E é na lavra dos grandes autores que encontramos mais e melhores desses recursos. A partir do conceito de “artesania descritiva”, Osmar evidencia como as descrições dos espaços em Adriana Lisboa não buscam qualquer ideia de espelhamento do mundo externo. Ao contrário, a autora utiliza a impossibilidade de apreensão do real pela linguagem como um dos procedimentos estéticos para problematizar e empreender uma crítica ao nosso tempo, à nossa sociedade e à nossa individualidade. Evidenciando, portanto, a hipótese inicial de que,

ao explicitar essa dinâmica entre espaço referenciável e espaço ficcional, em que a autonomia do ficcional se consolida na relação entre personagens e objetos, a autora se propõe a criar uma postura ética e uma reflexão estética frente à nossa contemporaneidade. Nomeamos esse processo de pinçamento e montagem de artesania descritiva. Escolhemos “artesania”, em contraste com “engenharia” ou “arquitetura”, que aludem ao cálculo, enquanto a prática do artesão é mais sujeita a vicissitudes, tal como entendemos as refrações da técnica e consequentes efeitos de sentido das descrições de Adriana. (CASAGRANDE, Osmar; in: Artesania descritiva nos romances de Adriana Lisboa).

Em outro capítulo de seu trabalho, Osmar trata da complexa relação entre tempo e espaço. Estabelece reflexão sobre como Adriana Lisboa empreende o registro da sedimentação do(s) tempo(s) na construção dos espaços ficcionais de sua obra. Osmar aponta para uma estratégia de composição de Adriana Lisboa de não linearidade do tempo a partir de seus múltiplos registros no espaço.  Portanto, da desconstrução da percepção ordinária do tempo a partir da reflexão sobre o espaço.

O livro de Osmar é resultado de leituras atentas de seu objeto. Não descuida em momento algum dos referenciais teóricos de qualidade e bem analisados. E, tampouco, deixa de lado a obra de Adriana Lisboa como centro de suas questões. Constitui sua pesquisa em avanço para interpretação da obra da autora. Para o leitor especializado, Osmar oferece reflexões autorais e a construção de sólidas categorias que dão conta das reflexões levantadas durante o seu texto. Para o leitor que pretende apenas se aprofundar na obra de Adriana Lisboa, Osmar oferece um texto de boa leitura e reflexões que só são possíveis por aqueles que são apaixonados pelo que estudam.

Felipe Gonçalves Figueira
Professor no Instituto Nacional de Educação
de Surdos – INES, no Rio de Janeiro

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