Flávia de Queiroz Lima chega com “Quebrar os ovos” no Ano Novo

No início, ab ovo – e o primeiro poema de Flávia de Queiroz Lima no ano novo é

  QUEBRAR OS OVOS

         Catar feijão se limita com escrever:
Joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;

                               João Cabral de Melo Neto

Quebrar os ovos não se faz sem sapiência,
certo equilíbrio entre usar força e sutileza,
para que a casca não resulte esfacelada,
mas abra espaço à clara e à gema sempre inteiras:
bater o garfo incisivo, sem melindres,
num gesto breve entre o cuidado e a destreza.

A mesma arte rege o engenho das palavras
quando deslizam no papel sobre o silêncio:
buscando toques que provoquem rompimentos,
mas na leveza encontrem, hábeis, seu limite:
deixando o vão das instigantes incertezas,
expondo o cerne que se abre num convite.

A escrita impõe à mão seu traço decisivo
que se revela na fissura, na imprudência,
tecendo enredos, resvalando no artifício,
mas evitando na entrelinha as evidências.
Resta cuidar que assim, medida, não sacie,
mantendo a fome na ardilosa incandescência.

                      Flávia de Queiroz Lima
é poeta, compositora e escritora,
autora de Laços e Avessos (2023) e
deArrumar as Gavetas (2012)

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Flávia de Queiroz Lima
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