Lua Preta, de Madu Brandão – resenhas

LUA PRETA,
de Madu Brandão
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Resenhas

O professor Rauer Ribeiro Rodrigues e seus alunos de Literatura Brasileira Contemporânea do Câmpus de Três Lagoas da UFMS produziram diversas resenhas sobre o Lua Preta. Leia abaixo essas resenhas. A elas também ajuntamos uma pequena resenha da escritora Nima Spigolon, professora da Faculdade de Educação da Unicamp.

Confira as muitas facetas deste livro magistral nas dezesseis visões sobre o Lua Preta que apresentamos abaixo.

Madu Brandão!

Rauer
Professor; escritor; crítico literário;
do Conselho Editorial da Pangeia

Tenho à mesa, espalhados, cerca de uma dezena de livros assinados por Maria do Carmo Brandão. Entre eles, o manuscrito do Lua Preta. Trata-se de livro inédito, um conto, como gênero, um livro para jovens leitores, na proposta autoral, um livro para todos os leitores que apreciam literatura de primeira qualidade.

Madu Brandão é escritora de estirpe e seu pai, Ildeu Brandão, foi um dos muitos mestres da literatura que Minas Gerais legou ao Brasil no Século XX. Tenho livros de Ildeu também à mesa. A filha ombreia-se ao pai no trato da linguagem, na capacidade inventiva, na emoção que seus textos despertam.

Entre tantos livros, de tão diferentes épocas, editados por grandes editoras, incluindo editoras universitárias, tenho para comigo que a obra magna de Madu Brandão é este Lua Preta, que agora vem a lume nas Edições Saruê, o selo infantojuvenil da Pangeia Editorial.

O livro, no boneco que tenho em mãos, chega com projeto editorial impecável, lindo, com ilustrações potentes e adequadas que fazem justiça à narrativa forte e corajosa de Madu Brandão. Com Lua Preta, Madu Brandão produz a sua obra-prima, com o domínio pleno das potencialidades expressivas, em narrativa densa, sensível, na maturidade da escrita e no esplendor da sua vivência de professora. Recomendo fortemente.

Lua Preta ilumina a força da ancestralidade

Laura Prates Soares
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua Preta, de Madu Brandão, é a nova aposta da Editora Pangeia para o público infanto-juvenil. Trazendo temas como a ancestralidade e a construção da identidade pessoal, o livro acompanha o protagonista Tonzé, um garoto bondoso que sofre com o racismo e a gordofobia. O resultado é uma obra que mescla debates necessários a uma escrita de caráter literário, influenciada por grandes autores.

No livro, Tonzé tem um bom relacionamento com seus pais e sua irmã, mas vive sendo ridicularizado pelos colegas, que lhe deram a alcunha de “Lua Preta”. Enquanto o personagem dá vazão a seus sentimentos, Madu Brandão tece sua crítica social de diversas maneiras, tendo especial cuidado com as palavras e seus significados.

Tonzé odeia a cor preta, mas questiona as conotações atribuídas às cores: a cidade para a qual viaja é Ouro Preto; as teclas de um piano são pretas; mas seu pai, um homem que gostava ler, é um “preto de alma branca”. Dessa forma – imagina ele –, se o coração da professora Alice é bondoso, ela tem um coração “branco”?

Na trajetória de Tonzé, de maneira similar à epifania presente nas obras do escritor irlandês James Joyce, o diálogo foi escolhido para trazer conhecimento e possibilitar uma transformação. É com o auxílio da professora Alice e do padre Pedro – e da história do povo afro-brasileiro –, que o menino encontra o caminho para aprender a gostar de si e de sua cor.

Lentamente, vai-se delineando um personagem complexo, envolto em sentimentos contraditórios, mas condizentes com o cenário retratado pela autora. Tudo isso em uma prosa coloquial, voltada à realidade e à jovialidade do protagonista. Como Lima Barreto – escritor lido pelos colegas de Tonzé, a pedido da professora Alice –, Madu Brandão adota uma escrita “simples”, em que aflora a crítica contra o preconceito
racial.

Assim, Lua Preta, de Madu Brandão, congrega o debate de temas atuais, como o racismo, a uma escrita que remete a autores literários renomados, como James Joyce e Lima Barreto.

Pensar a língua, a história e a sociedade brasileiras: eis o convite ao leitor dessa obra. Tanto o público infanto-juvenil quanto o adulto devem dar uma chance a essa história bem escrita, onde todos os elementos – a narração, os personagens, o espaço ou tempo – trabalham para compor um todo coeso.

Ler Lua Preta é reconhecer a importância da ancestralidade e da libertação pelo conhecimento; é entender o impacto da linguagem cotidiana, sem rebuscamentos. É sentir a força da epifania, capaz de iluminar (ou escurecer?) as origens de Tonzé.

Conotações “cor de carne” no conto Lua
Preta
, de Madu Brandão

João Kewellyn dos Santos Fernandes
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Autora do conto Lua Preta, Maria do Carmo Brandão, a Madu Brandão, nasceu em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, em 1948. É professora aposentada e tem cerca de trinta livros publicados.

Destacamos duas expressões textualizadas para iniciar nossa leitura: “Noite intensa” e “lua em eclipse” – tais conotações  ganham “cor de carne” no enredo do Lua Preta.

E ainda mais: a ligação consciente que a personagem-protagonista passa a ter através do conhecimento da própria ancestralidade pode promover no leitor o mesmo efeito.

Sabe-se que os livros de História trazem em sua maioria a visão dos colonizadores. O conto de Madu Brandão, por sua vez, inverte essa visão por meio da personagem Tonzé: menino negro, de família simples, sofredor de bullying por seu excesso de peso e de racismo por sua cor.

O enredo encena uma visita escolar a Ouro Preto. Na aproximação com a professora, na viagem, dolorosa qual uma via-crúcis, e com o padre, no retorno, ocorre uma espécie de emancipação.

O conto apresenta ao leitor mais atento essa configuração e trato do eu da personagem para consigo mesmo influenciando-o e enredando-o por uma exterioridade nebulosa. Isso pode ser constatado, por exemplo, na demasiada visão negativa da cor preta narrada [ilustração cinco] na comparação do fenótipo, que sempre exalta traços caucasianos, e na ligação falsa de que a cultura de um negro sempre é proveniente de uma “alma branca” [ilustração 8].

Ademais, o conto, em sua estrutura, por vezes faz ligações das palavras “preto” e “branco” usadas a priori em contextos (superficialmente falando) não raciais: “Ouro Preto”, “cara de deu branco”, “coração de ouro [ou branco] – o que reforça ainda mais a questão da cor aplicada à pele e impregnada na mente da personagem.

Sem dúvida, há a presença – por meio do reconhecimento histórico e de si no outro – de uma epifania ocorrida no final do conto quando a personagem principal adjetiva positivamente sua mãe e à Anicinha.

Dado o fato do conto ir de encontro à sociedade brasileira racista, faz-se a leitura necessária, principalmente no contexto de sala de aula em que o conto é encenado, pois reconhecer-se em algum lado do conto (seja ele qual for) gerará, em eficácia, transformação: efeito próprio da literatura.

Pode-se, ainda, haver um crítica sobre a questão (por se tratar de uma autora branca) do “lugar de fala”. Nada inviabiliza o discurso se ele está em consonância com a vida (se só se trata de analisar a realidade e as relações no modo pelo qual elas de fato são).

O livro tem lançamento marcado para dezembro de 2022 em Beagá, a capital dos mineiros, cenário em que Lua Preta descobre suas origens ancestrais.

Em Lua Preta, a realidade das crianças brasileiras

Nima Spigolon
Professora da Faculdade de Educação da Unicamp
e curadora das Edições Saruê

Lua Preta Esse livro apresenta, com palavras e desenhos, a temática étnico-racial, em enredo para ser lido com as crianças – mas não deve ser lida só por crianças.

Trata-se de uma narrativa incrível sobre reconhecimento racial e identitário negros.

Lua Preta traz a realidade que muitas crianças vivem no Brasil, uma realidade com traços fenotípicos e físicos que guardam a sua beleza e são tão importantes quanto quaisquer outros. Daí, a importância da literatura e de livros em que a ilustração infanto-juvenil representem corpos negros, livros que com vida e esperança registrem a diversidade racial e tragam histórias não mais de escravidão, e sim de grandes sabedorias e ricas manifestações artísticas e culturais oriundas da população negra.

Aqui temos a história de um menino. Um menino que poderia ser você, algum coleguinha ou amigo seu. É o Lua Preta, o protagonista, a personagem principal do livro, cujo nome é Tonzé.

Durante sua formação escolar, viaja para a histórica Ouro Preto. Lá, Lua Preta vivencia ao lado da professora experiências que revelam a compreensão que tinha de si mesmo; faz descobertas pungentes e, ao retornar para Beagá, a professora o leva ao encontro de um novo padre na paróquia do bairro, e Tonzé descobre outra consciência da sua ancestralidade, em processo de auto-descobertas para se apresentar diante de sua família e de sua comunidade.

Com este livro em mãos, nossas crianças têm – e nossos professores, vizinhos e comunidades também – mais um material escrito e ilustrado para reverter os processos históricos de (in)visibilidade, combater o racismo e a intolerância, ressignificar a cultura africana e brasileira por meio da literatura infanto-juvenil.

Com o livro de Madu Brandão vemos que há uma possibilidade real de ser feliz e de viver com dignidade.

Lua Preta, de Madu Brandão: retrato
de um mundo disfuncional

Vanessa Aparecida da Silva
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua preta é uma obra que traz a questão da ancestralidade, a trajetória da criança de se encontrar em um mundo disfuncional, onde é situado diante de si e do seu futuro, a partir do mergulho na sua ancestralidade.

A autora, Madu Brandão, apresenta uma história sensível, um livro repleto de conselhos e discussões sobre o modo pelo qual podemos lidar com alguns dos problemas estruturais mais sérios que assolam nosso modo de
vida.

Lua Preta é um conto que cria realidade e emociona quem o lê. Oferece lições para não romantizar as coisas do dia a dia. Ambientado em Belo Horizonte, o enredo é atemporal e moderno; a ambientação  em Ouro Preto, a capital do passado, mostra um enredo “ultrapassado”, das raízes escravocratas da constituição regional na qual a mineiridade está imersa até hoje.

Em um passeio com a turma da escola, Tonzé, o protagonista, vai da decepção à autoconsciência; assim, alcança perfil que expressa a brasilidade e personifica uma revolução ética em um mundo de sexualidade e imoralidade.

Tonzé é um menino que ama seus pais e sua irmã caçula, e, em um passeio com a turma da escola, descobre várias coisas importantes e tristes dos materiais ricos e culturais do nosso país.

A obra traz questões raciais e mostra como o racismo afeta nas crianças e como elas se enxergam. A realidade apontada no livro não é distante dos dias atuais e por isso devemos nos questionar a respeito:

  • Estamos falando sobre isso com as crianças que conhecemos?
  • Porque crianças negras na sua maioria não são felizes com sua aparência?
  • É por falta de representatividade?

Lua Preta tem como alvo o público infantojuvenil, mas essa obra pode ser recomendada para todas as idades.

Aliás, deve ser recomenda a pais e famílias que possuem alguma criança em casa, seja ela negra ou não; deve ser recomendada para professores e para quem se interessar a respeito do assunto.

A mineira Maria do Carmo Brandão, mais conhecida como Madu Brandão, nasceu em 1948 em Belo Horizonte, onde permanece até os dias atuais. Ela é aposentada na profissão de professora e no momento seu foco é a literatura, artes e revisão de textos. Possui cerca de 30 livros publicados e o Lua Preta é o seu primeiro livro na Pangeia Editorial, saindo no selo infantojuvenil, Edições Saruê.

O aproximar com a ancestralidade preta na infância

Jumael dos Santos Silva Filho
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

A professora aposentada Maria do Carmo Brandão, carinhosamente conhecida por Madu Brandão, lança neste mês de dezembro o livro Lua Preta, em bela publicação da Pangeia Editorial.

Com aproximadamente 30 obras publicadas, nessa  curta narrativa infanto-juvenil a autora nos apresenta o pequeno Tonzé, uma criança negra que descobre muito cedo o que é o bullying, o racismo e o preconceito.

De linguagem simples e até mesmo coloquial, mas de modo preciso, Madu Brandão nos presenteia com uma obra importantíssima para a formação de leitores e de seres humanos, nos levando a refletir acerca da luta contra a discriminação por diferença quanto ao tom de pele.

A narrativa inicia com um pequeno garoto se apresentando em momento em que é chamado por adjetivos pejorativos como “lua preta”, “luão”, “lua cheia”, entre outros, deixando-nos entrever que ele sente “nojo” pelo próprio tom de sua pele. Dessa forma, percebemos que a suscetível criança aprendeu muito cedo, e da pior forma possível, o que é ser uma criança preta e pobre.

De forma descomplicada, Madu Brandão denuncia o preconceito dentro da escola, na relação de amigos e na atividade da professora, a personagem “Tia” Alice; no entanto, é ela que vai mudar a vida de Tonzé, o pequeno garotinho, nosso protagonista.

O ponto alto do conto enredo, epifânico, é uma viagem à Ouro Preto, em que Tonzé é alvo de chacotas, mas é nessa altura da viagem que o cenário se transforma. O que era para ser apenas uma excursão escolar, se torna a viagem da vida de Tonzé. Em Ouro Preto, o pequeno garoto conhece um pouco de história, da sua história, a saga do povo preto, a representatividade dos seus antepassados na construção do Brasil.

Assim, Tonzé observa que não é tão ruim de ser um garotinho preto.

Vários episódios da vida do menino nos faz observar sua evolução de ser humano, em particular a visita à igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, a bonequinha preta que ganhou na barraquinha e sua conversa com
o Padre Pedro – são etapas que o fazem assumir sua identidade diante da sua ancestralidade.

Madu Brandão escreve um conto potente, extraordinário, prazeroso e indispensável, que faz com que seus leitores repensem acerca da relação entre pessoas.

A aproximação da ancestralidade africana por parte do pequeno Tonzé é esplendorosa. É ainda mais importante, pois o momento mágico da transformação ocorre por intermédio de uma professora.

Assim, convido cada leitor a que essa resenha chegue, para a leitura do Lua Preta, de Madu Brandão, livro que salienta a importância da escola na vida da criança, pois foi ela o fator responsável pela transformação do protagonista, e finalizo resgatando a fala final – um sonho – da pequena grande personagem Tonzé:

“[…] eu estudava e a gente conversava sobre a ancestralidade”.

A visão crítica de Madu Brandão em Lua Preta

Isabela Matioli Oliveira
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Maria do Carmo Brandão é graduada em Pedagogia na UFMG, atuou e se sente professor, e atualmente trabalha com literatura, artes e revisão de textos. Possui diversos títulos publicados, além de indicações de leitura e prêmios.

Em Lua Preta, lançamento deste final de ano da Pangeia Editorial no selo Saruê, a autora nos apresenta temas como a ancestralidade e a construção da identidade pessoal.

A narrativa acompanha o protagonista Tonzé, um garoto bondoso que sofre bullying decorrente de racismo e de gordofobia. Assim, Lua Preta é uma obra que mescla debates necessários a uma escrita de caráter literário que dialoga intertextualmente com grandes autores.

Tonzé tem um bom relacionamento com seus pais e sua irmã, mas é muito ridicularizado por colegas de classe, que lhe chamam de “Lua Preta”. Enquanto a personagem dá vazão aos seus sentimentos, Madu Brandão tece sua crítica social de diversas maneiras, tomando o devido cuidado com as palavras e seus significados.

Trata-se de uma narrativa curta e realista, em que Tonzé expõe acontecimentos e sentimentos, sendo narrador autodiegético. O enredo aborda o bullying que o protagonista sofre em seu cotidiano escolar por ser negro e gordo.

A partir desse contexto social, Madu Brandão nos apresenta zombações cotidianas dirigidas a Tonzé; trata-se da “porta de entrada” na dura realidade de uma sociedade racista que persegue o protagonista tão só em decorrência de sua cor de pele e de estar “acima do peso ideal”.

No início do livro, Tonzé mostra estar habituado ao preconceito:

Tonzé odeia a cor preta, mas questiona as conotações atribuídas às cores: a cidade para a qual viaja é Ouro Preto; as teclas de um piano são pretas; mas seu pai, um homem que gostava ler, é um “preto de alma branca”. Dessa forma – imagina ele –, se o coração da professora Alice é bondoso, ela tem um coração “branco”?

Essa visão é desconstruída na viagem a Ouro Preto, em uma excursão junto com sua turma. Na primeira capital de Minas Gerais, muitos escravos foram trazidos da África para trabalhar na mineração. E sua professora lhe explica sobre a história da cidade, a mineração e a igreja que foi construída para os negros.

Após a viagem, a professora o leva para conhecer um padre, também negro. Após muita conversa sobre a escravidão e sobre o povo negro, tratam do cotidiano de Tonzé, de família e de ancestralidade, da construção compreensiva da identidade sustentada intelectual e politicamente a partir do conhecimento dos ancestrais.

O modo pelo qual Madu Brandão mescla a árdua realidade ao tratar da história da África e de escravidão em um livro infanto-juvenil é surreal, pois nos apresenta temas espinhosos e duros e nos faz compreender e nos emocionar diante do enredo encenado, em especial com a pureza de uma criança sendo “quebrada” de uma forma brutal nesse nosso “mundo de aparências”, que tenta impor ao protagonista uma maneira diferente de viver, impondo-lhe ideologias preconceituosas e discriminatórias.

A busca abusiva por estéticas irreais do “corpo perfeito” é constante no meio social e é extremamente lamentável que crianças percam parte de suas infâncias com insultos, preocupações étnicas e que sejam tratadas de forma diferenciada por preconceitos socialmente construídos.

Na trajetória de Tonzé podemos notar uma similaridade à epifania por James Joyce, com o diálogo trazendo conhecimento e possibilitando transformação. É no diálogo com a professora Alice e com o padre Pedro que Tonzé é apresentando à história do povo afro-brasileiro e encontra o caminho para aprender a gostar de si e de sua cor.

A partir da narrativa, se delineia uma personagem complexa, envolta de sentimentos contraditórios, mas condizentes com o cenário retratado por Madu Brandão. Em prosa coloquial e voltada à realidade do jovem protagonista observamos a realidade de Tonzé através do espaço e da ambientação, trabalhadas de forma que personagens negras surjam em não-pertencimento e não-adequação à sociedade.

A autora também utiliza diferentes referências ao racismo, menciona narizinho arrebitado, uma das personagens de Monteiro Lobato, que apesar de ser precursor da literatura infantil brasileira, também é denominado como racista por alguns. Por outro lado, temos referência também ao músico, poeta e compositor Tom Zé, do movimento tropicália, que empresta seu nome ao protagonista da história. Nessas referências, Lima Barreto (escritor negro, que aborda o racismo e era filho de ex-escravos) não ficou de fora: a professora Alice  indica sua leitura aos colegas de classe de Tonzé.

A prosa aparentemente simples de Madu Brandão é altamente elaborada, com diversas referências intertextuais, nas quais aflora questões humanas muito além da crítica ao preconceito racial que parece estar em primeiro plano.

Portanto, o estudo do livro Lua Preta é de extrema importância para a representatividade, o conhecimento da história e a reflexão sobre os meios sociais em que vivemos e aos quais estamos submetidos, para que possamos – de maneira crítica – nos conscientizar e buscar incansavelmente melhora social e pessoal na busca da ancestralidade e da libertação através do conhecimento.

Lua Preta, de Madu Brandão: narrativa
realista e enternecedora

Richard de Lima Silva
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua Preta é uma narrativa curta que relata a emocionante vida de uma criança preta que vivencia as contrariedades da existência na própria pele.

A autora, Maria do Carmo Brandão, é professora aposentada, profissão que permite constituir elos por toda a vida, com  alunos e com colegas de trabalho do meio acadêmico.

Durante o conto, nos são mostradas situações que pautam o mundo atual e que precisam ser não somente transcritas, mas dialogadas na sociedade.

A narrativa nos apresenta uma epifania ao encenar, sendo necessário tirar a feição romântica habitual em nosso país e, em particular, na vida da personagem Tonzé, que passa por situações de racismo, bullying e gordofobia. A teoria de epifania foi proposta por James Joyce (1882-1941) e define que, a partir do diálogo, uma personagem – normalmente o protagonista – se modifica, passando a ver o interlocutor, a sociedade e o mundo de maneira diferente. É o que ocorre com Tonzé ao dialogar com a professora e o padre, chegando transformado no reencontro com sua irmã e sua mãe.

O conto “Lua Preta” é o tipo de literatura que carrega consigo a principal fonte para se criar algo novo, o conto além de pontuar questões de descriminação, gera um olhar mais empático em seus leitores no que diz respeito aos temas abordados no mesmo.

Lua Preta, lançamento da Pangeia Editorial, nas Edições Saruê, dedicada a jovens leitores, chega inicialmente em livro físico e, em seguida, em  formato online – confira AQUI.

Madu Brandão nos entrega, com este Lua Preta, uma narrativa realista e enternecedora.

Madu Brandão “inventa moda” em Lua Preta

Amanda Barboza Novais
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Para Madu Brandão, escrever é “inventar moda”. Com o seu Lua Preta, em lançamento das Edições Saruê, ela exercita o ato de inventar, criar e promover novas visões de mundo em relação à questão racial no cotidiano infanto-juvenil brasileiro.

O título do conto que nomeia o livro se refere ao apelido dado à personagem principal, Tonzé. Uma criança que narra sua rotina escolar, sendo um menino negro do rosto redondo e tendo sua autoimagem distorcida em vista do racismo estrutural embutido na sociedade, bem como o bullying que sofria por sua aparência física e devido a cor de sua pele.

Mesmo sendo um aluno extremamente inteligente e cheio de perguntas na aula, ele se recusava a
participar. Ele não reconhecia suas habilidades e tinha muito medo da rejeição ser maior, aumentando as piadas que poderiam ocorrer: “E o pavor dos outros achar que além de
preto eu era burro” (p. 20).

Tonzé é afetado pelo padrão etnocêntrico e eurocêntrico, efeito do racismo estrutural.

Um ponto importante e que vale ser destacado é a ação modificadora sobre a visão de mundo da personagem a partir do momento em que ele começa a conhecer e entender sobre seu passado, sua ancestralidade e a riqueza delas. Isso ocorre com os ensinamentos de Padre Pedro, um padre que também é negro, sendo uma imagem que representa Tonzé em seu contexto.

Uma vez que ele se encontrava culturalmente construído, mas desconstruído com o racismo estrutural que o mantinha ignorante de si mesmo, ele foi reconstruído através da ação de conhecer sobre o seu passado, reconhecendo seu valor e o valorde seus ancestrais.

Madu Brandão faz um ótimo trabalho ao abordar essa temática, principalmente por trazer representatividade às crianças negras, uma vez que – lendo a travessia de Tonzé – podem reconhecer também o seu valor.

Invoco um aforismo sobre microconto que parece adequado ao conto de Madu: “29. O microconto é a poalha em réstia de luz nos escombros de uma casa em ruínas.” (Rauer, AQUI).

É preciso estudar o passado para entender as questões atuais e é preciso querer evoluir a partir dos ensinamentos sobre o que já aconteceu. A poalha – uma iluminação em réstia de luz – nos traz a concepção da evolução a partir da remodificacão, da reconstrução; já os escombros de uma casa em ruínas retrata o mundo atual, a casa em ruínas, mas também contém, em metáfora, a desconstrução do indivíduo marcado em seu corpo e em sua alma por vivências cotidianas de racismo.

Na sociedade em ruínas e no indivíduo em ruínas, a luz epifanica do Lua Preta Madu Brandão tem papel regenerador, modificador.

Tal ação modificadora não ocorre apenas na personagem, no protagonista, mas é também vivenciada por parte do leitor, levando a experiência transformadora às salas de aula que lerem o livro. Trata-se de obra que aborda questão atual de modo que pode ser trabalhada no ensino infantil e que é capaz de realizar epifania nos pequenos leitores e nos leitores jovens.

Madu Brandão, na ação de “inventar moda”,  possibilita que leitores mirins, jovens, adultos ou maduros sejam reconstruídos configurando novas visões de mundo e formando leitores: em Lua Preta, a poalha em réstia de luz forja Tonzé, e, com ele, um novo mundo possível.

Lua Preta: racismo, bullying, gordofobia

Anne Francielle Bertholdo
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua Preta, de Madu Brandão, é uma narrativa curta, realista e emocionante de uma criança negra que descobre o racismo, o bullying e a gordofobia. A narrativa  conta a história de Tonzé, um menino pobre, negro e gordo que morava com seus pais e a irmã mais nova, Anisinha. 

O menino frequenta uma escola de classe baixa, na qual seus colegas de classe faziam bullying e o fendiam diariamente. As crianças sabem que é errado esse comportamento com o colega, já que fazem escondido da professora.

Devido as agressões que sofre, Tonzé se sentia feio, inferior, não gostava da cor da sua pele e se colocava vários defeitos em decorrência dos apelidos grosseiros que recebia de todos. Ainda assim, era um menino alegre, de bom coração e muito esperto.

Certo dia teve um passeio da escola, com a turma em viagem a Ouro Preto, ocasião em que o menino descobre sua etnicidade e que seu povo foi fundamental na construção de riquezas materiais e culturais de nosso país. No final da excursão, a professora pede desculpas para Tonzé, pois havia também sido indelicada com ele. Mas, na viagem, Tonzé e as outras crianças viram e ouviram questões importantes sobre a cultura, a etnicidade e a ancestralidade africana. 

É assim que Tonzé descobre , na viagem a Ouro preto, suas origens. Ao retornar a Belo Horizonte, a professora Alice apresenta o menino ao Padre Pedro, que lhe explica o que é ancestralidade, que ele ser negro não era defeito e sim uma honra, e que os negros têm valor.

O Padre mostra, também, que a cor não define caráter, de modo que Tonzé passa a se aceitar, a se amar, e quer descobrir mais sobre suas origens. 

Madu Brandão incorpora em seu livro valores importantes sobre a cultura afro-brasileira. Podemos nos questionar como uma mulher branca, em seu texto, dá tanta vitalidade a corpos negros, às suas dores por racismo e a suas ancestralidade, pois ela nunca deve ter sofrido bullying por conta da cor de sua pele. Mesmo com a autora não tendo vivenciado o que Tonzé passou, vemos no texto que é como se ela sentisse na pele dela o que o menino sentia. Madu Brandão, na voz interposta de Tonzé, nos mostra que a cor da pele não define ninguém, que o que define a pessoa é o caráter.

O texto nos mostra de modo vívido a luta dos negros, todos os dias, em nossa sociedade, a luta de cada negro contra o preconceito, na defesa de seu valor na condição de ser humano, a vivência cotidiana do racismo que sofrem, e enfatiza a importância de cada negro conhecer sua etnia, sua descendência na condição de africana e suas raízes.

Catarse e epifania no conto Lua
Preta
, de Madu Brandão

Franciellen Santos Francese
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Professor é uma classe aguerrida, de maioria feminina, que necessita de imediata valorização por sua capacidade de mediar o conhecimento para outro indivíduo. Maria do Carmo Brandão, professora aposentada, amplia os horizontes da docência ao nos apresentar Lua Preta, uma narrativa sensível que evoca uma discussão profunda e comovente sobre os preconceitos enraizados em nossa sociedade.

Lua Preta, o Tonzé, é protagonista pobre e negro, que sofre violências diariamente na escola por parte dos colegas de sala.

A curta narrativa tem proposta decolonial, que busca não apenas debater temas dolorosos como o racismo e a pobreza, mas também, de maneira contundente, descontruir a visão do colonizador. Madu Brandão é uma mulher branca, que talvez, nunca será capaz de encarar na pele a dor do preconceito. Contudo, Madu é acima de tudo professora. E esta, sabendo da capacidade inata da literatura de aproximar realidades, ensina através de seu conto um caminho para a superação de nossas mazelas sociais.

A catarse e a epifania do protagonista emerge quando ele se encontra com sua ancestralidade, que o coloca em busca de sua identidade, anteriormente roubada de seus antepassados em séculos de escravização.

O realismo e sensibilidade do tema é abordado como poucos são capazes de fazer, a estilística remete aos escritos de Carolina Maria de Jesus, em Quarto de Despejo. Uma poética de resíduos que aproxima o leitor da realidade da dor e da fome. Uma narrativa atemporal, ambientada em Belo Horizonte, extremamente necessária e disposta a discutir e enfrentar as fendas mais obscuras da nossa sociedade.

Lua Preta, de Madu Brandão: autora utiliza
conto literário para abordar questões
sociais no âmbito escolar

Joniane Marques dos Santos
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

O conto infanto-juvenil Lua Preta, de Madu Brandão, é enriquecedor não apenas por abranger questões sociais como o racismo, bullying, gordofobia e ancestralidade, mas por situar seu enredo em âmbito escolar.

É dever da escola proporcionar um ambiente respeitoso e que não infringe a integridade dos alunos. O professor é um modelo ligado á imagem de pessoas estimadas ou respeitadas, exercendo grande influência na vida dos alunos. Ao ler o conto, é perceptível a influência que a professora Alice carrega, no quesito de amor fraternal, ao ser mencionada várias vezes por Tonzé como “tia”.

Tonzé, um aluno carinhoso, por ser negro de corpo e rosto arredondado, é constantemente ridicularizado por seus colegas em uma escola de bairro em Belo Horizonte. Nem sempre essas atitudes eram explicitas, para que assim a professora não percebesse e não os repreendessem. A professora Alice, ao identificar as situações desagradáveis, propôs uma intervenção, a fim de cessar atos desrespeitosos, com uma excursão a Ouro Preto.

É visível a preocupação da professora em relação ao que Tonzé estava vivenciando. Sendo assim, decidiu tentar mudar a percepção dos seus alunos, mostrando-os a ancestralidade de Tonzé e a razão de força e resistência por trás da cor negra. Porém, isso não foi capaz de cessar os ataques racistas para com a vida do seu aluno, o que acarreta tristeza e vergonha para a professora, por sentir que falhou mais uma vez, ao tentar protegê-lo de tamanha crueldade.

Uma professora com formação estruturada para vivenciar diversos tipos de preconceito não deve abaixar a guarda para crueldade imposta por seus alunos. Ela deixa os alunos lendo Lima Barreto, leitura que é denúncia de racismo, e leva Tonzé para conversar com um padre negro, o Padre Pedro. Ao não conseguir mudar a mentalidade dos emissores de ódio, ela busca mudar a percepção do receptor, mostrando-o que a cor negra também ocupa um espaço de prestígio e reconhecimento.

Impulsionando Tonzé a conhecer e a valorizar a sua ancestralidade e a amar a sua cor. Assim, a professora Alice, modificou a percepção de uma vida inteira de um aluno e se tornou essencial na formação do protagonista desse conto de Madu Brandão.

O conto Lua Preta foi extremamente enriquecedor para o início de uma jornada, em que me dedicarei  profissionalmente à educação. Mostrou-me a necessidade de me preparar não apenas com os estudos básicos e necessários, mas também para situações indesejadas e complicadas. O dever dos professores não é apenas oferecer e ensinar conhecimento aos alunos, mas também cuidar do bem-estar, visando o combate a qualquer tipo de preconceito existente, para que assim, os alunos possam respeitar as diferenças um dos outros e consequentemente ter um ensino de qualidade.

Lua Preta, de Madu Brandão: uma aula!

Liriany Vitória França
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua Preta, de Madu Brandão, é narrativa realista na qual o protagonista Tonzé vivencia atribulações, atrocidades e preconceitos enraizados.

Inicialmente, em narrativa em primeira pessoa, vemos em cena o menino Tonzé, que tem o tom de pele negro, o rosto arredondado e traja vestimentas simples. O primeiro diálogo ocorre em sala de aula, com o protagonista sob risos e piadas de baixo calão.

O protagonista introjeta-se do ódio dos colegas e se sente mal com a sua cor de pele, o que ocorre por falta de representatividade, igualdade e respeito, o que gera uma apropriação distorcida da realidade; isso nos lembra  Paulo Freire, que escreveu que “[q]uando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

O ponto chave do conto é o momento em que a professora, por diversas iniciativas, faz a inclusão de Tonzé ao possibilitar que o aluno descubra sua ancestralidade; dessa percepção, o menino passa a ver o seu entorno de forma diferente, com discernimento, presentificando sua identidade.

Lua Preta, de Madu Brandão, é uma aula que torna visível a influência do professor em sala de aula para instruir e mudar o seu entorno de forma sutil e coerente.

A plurissignificação de sentidos
em Lua Preta, de Madu Brandão

Pâmela Gabrieli
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Lua preta é o mais novo livro a integrar as Edições Saruê, o selo de literatura infanto-juvenil, da Pangeia Editorial. Trata-se de um conto, um conto complexo, para leitor maduro, que pode ser lido por crianças em leitura de prazer e em leitura formativa. A autora, Madu Brandão, foi professora, já tendo se aposentado, tendo atuado no ensino fundamental e em cursos superiores. Com dezenas de títulos publicados e de uma família de escritores, recebeu prêmios e muitos de seus livros foram indicados e recomendados para leitura de crianças e de jovens.

Temos uma narrativa curta e realista em que o próprio protagonista, Tonzé, narra a história, caracterizando um narrador homodiegético. O enredo tem por centro abordar o bullying que Tonzé sofre em seu cotidiano escolar por ser negro e gordo.

Tonzé, apelidado de “Lua preta” em razão de seu rosto extremamente arredondado, traz no seu discurso o racismo estrutural presente na sociedade: “(…) a minha irmã e a boneca, as duas iam ser branquinhas mesmo, quase transparentes. E não iam ter aquela cara redonda que nem lua cheia ou cara da cor mais nojenta que eu conhecia no mundo e que era a preta. Que eu detestava”.

Porém,  essa visão que Tonzé tem pela sua própria cor será desconstruída após uma excursão com a escola a Ouro Preto, primeira capital de Minas Gerais, região para a qual muitos escravizados da África foram levados para trabalhar na mineração. A professora explica para a sala sobre a história da cidade, a mineração e a igreja, construída para os negros, uma vez que “os pretos (…) também são filhos de Deus” e não podiam frequentar os mesmos espaços de culto cristão dos brancos.

Após a viagem, a “tia” leva Lua Preta para conhecer um padre, que também era negro, para a surpresa do protagonista. Ambos conversam sobre a viagem feita a Ouro Preto, a escravidão e a ancestralidade de seu povo, o povo negro. A ancestralidade também é mencionada no começo do livro, antes do enredo começar de fato.

Nas entrelinhas desse Lua Preta, Madu Brandão parece nos dizer que a construção compreensiva de uma identidade só se sustenta, intelectual e politicamente, a partir do direito à ancestralidade e na busca pelo estreitamento das relações com os ancestrais, tema pertinente nos dias atuais.

A realidade de Tonzé é denunciada através do espaço e da ambientação. No primeiro momento, há a descrição de que a irmã quase saí do berço de tão grande que está, após o narrador-personagem nos dizer que não há shoppings onde ele mora, apenas biroscas. Ele também faz referências aos negros que fazem parte do quadro escolar: o motorista e a Zefa, responsável por cuidar do portão da escola.

Madu Brandão constrói em seu livro a expressão verbal mais alta que a língua pode alcançar para exprimir significados, mesmo que com uma linguagem simples e por vezes escrita da forma que Tonzé as fala, compreendendo e manipulando a língua com a plurissignificação de sentidos conscientemente construídos, o que permite apresentar um tema de “gente grande” para o público infantil e infantojuvenil.

Lua Preta, embora pareça pertencer à literatura infanto-juvenil, aborda tema necessário para todas as
idades, pois a literatura “é comunhão dos homens de todas as raças e classes, fazendo que todos se compreendam”, conforme disse Lima Barreto, um dos autores evocados nesse livro de Madu Brandão.

Lua Preta, de Madu Brandão: recomendo a leitura!

Pietra Giovanna Ruis Volpato
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Maria do Carmo Brandão, mais conhecida como Madu Brandão, é uma professora aposentada apaixonada por arte e literatura. No momento, está se preparando para o lançamento de seu mais novo bebê, o livro Lua Preta, que em uma narrativa curta e realista consegue transpassar com vivacidade o momento em que uma criança negra descobre sobre o racismo, o bullying e a gordofobia.

— Ei, Lua, hoje é a Lua Cheia, né?
— … e gorda…
— … e preta também. Com direito a eclipse. E riem!

Temos como protagonista Tonzé, um garoto negro e humilde que convive em um mundo que o abandona diariamente, mas que acaba por ter uma epifania da consciência de si, que o toca durante o passeio que tem a Ouro Preto, MG, com a escola.

A narrativa é curta, simples e coloquial, convidando o leitor a conhecer o outro lado da história, onde o
colonizador escravocrata não é o protagonista.

Tonzé é uma personagem redonda, pois através de uma revelação, mudou seu pensamento, o que comprova uma evolução de sua história. Também é por causa dessa revelação que percebemos que o conto de Madu Brandão nos apresenta uma epifania ao modo teorizado por James Joyce.

Para Tonzé, é como se uma iluminação aparecesse subitamente no conto, algo até considerado espiritual, como se ele finalmente tivesse encontrado a peça do quebra-cabeça que estava faltando.

Com o tema central sendo o conceito de ancestralidade, Madu Brandão envolve a todos durante o processo de autoconhecimento e da história dos seus que Tonzé tem nesta jornada; no trecho a seguir, isso fica explícito:

“E o padre me disse que a gente tem uma ancestralidade (depois a tia me explicou a palavra), bem, a gente tem uma ancestralidade de muita honra e luta e agora eu vou é estudar tudo isso!”

A partir dos trechos citados, percebe-se a importância deste conto e quanto o mesmo merece visibilidade, pois escancarar com todas as letras o racismo, o bullying e a gordofobia que Tonzé sofre, nada mais é que expor uma realidade – triste – da sociedade brasileira.

As crianças precisam ler e ter conhecimento de que o preto gordo também tem história, também é gente. É preciso conscientizar sobre os danos que tais preconceitos enraizados na estrutura da sociedade com pensamento branco eurocentrista fazem, principalmente nas pessoas que não são familiarizadas com a história de “muita honra e luta” de seu próprio povo.

Falemos também que aspectos estilística da construção do conto.

Madu Brandão utilizou diversos recursos para compor o texto, como pode ser percebido desde o título, cuja semântica surge com uma metáfora; a escritora também faz uso dos sufixos aumentativos e diminutivos tanto afetivos quanto depreciativos.

No aspecto fônico, o texto utiliza a forma coloquial escrita para descrever a fala de uma criança periférica, cheia de gírias e vícios de linguagem, além de onomatopeias, sendo que essa última também se vale da estilística morfológica – com a palavra “Irc!”.

Em relação à estilística sintática, o polissíndeto é quase uma bíblia durante todo o texto.

As crianças – e os adultos – precisam ler esse recorte da vida de uma pessoa que poderia muito bem ser seu vizinho (ou até você mesmo). Não tem como não indicar a leitura quando tal autora, Madu Brandão, experiente, com mais de trinta livros publicados, encontra o cuidado editorial que vemos nos livros das Edições Saruê, o selo infanto-juvenil da Pangeia Editorial.

Por fim, deixo vividamente claro – se restar alguma dúvida quanto a isso – que recomendo a leitura!

A linguagem literária em denúncia do apagamento
da ancestralidade dos povos afrodescendentes
em Lua Preta, de Madu Brandão

Thamires Carla Lopes dos Santos
Estudante do Curso de Letras
do CPTL / UFMS

Desde a abolição da escravatura o preconceito racial tem sido tema de vários debates políticos e sociais. Mas será que as atitudes preconceituosas contra os povos afrodescentes acabaram?

Maria do Carmo Brandão, professora formada em Literatura e Artes, traz essa temática na sua recente obra, Lua Preta.

O conto tem como enredo a vida corriqueira do “Tonzé”, um garoto preto que sofre com o racismo e o preconceito (na escola que frequentava) e, repetidamente, se imaginava branco, com cabelos lisos e olhos claros.

Madu Brandão foi audaz na sua produção literária, por se tratar de uma mulher branca e abordar essa questão do apagamento da ancestralidade, enfatizando a importância do conhecimento histórico e cultural dos povos afrodescendentes.

Chama à atenção, nesta produção literária, além do aspecto estilístico adotado pela autora (a linguagem natural e fluente, que facilita a leitura e a compreensão do conto), o nome do personagem principal, “Tonzé”, com a junção de dois signos da língua portuguesa para nomear o garoto preto.

Quando ouvimos o signo “tom”, a imagem que vem em nossa mente é de algo escuro ou muito alto; já o signo “Zé” nos remete a algo comum e simples, ou seja, na nossa sociedade contemporânea, “zé” é uma expressão muito utilizada para “referenciar a uma pessoa qualquer, um anônimo, ou até mesmo uma pessoa boba”, conforme o Dicionário Informal, acessível na web.

A autora foi excepcional na escolha do nome do personagem, pois, o enredo do conto, trata, justamente, da simplicidade da família do “Tonzé” – negros que sofremm com a exclusão social. As atitudes racistas, preconceituosas, contra a população afrodescendentes, não acabaram; ademais, segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os povos afros representam 70% do grupo abaixo da linha da pobreza, ou seja, a população negra ainda sofre com a exclusão sócio-econômica.

Temos, pois, na escolha do tema e na definição do nome da personagem principal, não um mero “acaso”, mas uma mostra, dois exemplos da genialidade de Madu Brandão. Autores entre os maiores de todos os tempos, e vamos menciona apenas dois, Guimarães Rosa e Ana Maria Machado, também trabalham a linguagem literária com tal plurimanipulação dos signos; a literatura é uma trama tecida de múltiplos fios; é da pluralidade infinita da linguagem na sua mais alta capacidade expressiva que nasce o texto literário.

Maria do Carmo Brandão, como disse anteriormente, foi audaz neste seu Lua Preta – e, como disse Antônio Cândido, “[a] literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas”.

Vale a pena a leitura desse livro, com esse conto de Madu Brandão, para refletirmos sobre as nossas atitudes na sociedade em que vivemos: a obra Lua Preta é de suma importância para a literatura brasileira e para a literatura brasileira infantojuvenil neste momento.

LUA PRETA
– a obra prima de Madu Brandão –
AQUI!

O texto honesto e real de Madu Brandão abre o caminho para a reflexão que as ilustrações da Duda potencializam, e que o projeto pedagógico para trabalhar com o livro nas salas de aula deve estimular. Não se acaba com um problema evitando discuti-lo: antes, a luz chocante da realidade é o melhor meio para desinfetar preconceitos, racismos, perseguições, censuras, discriminações e ódio raciais.

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