A ARTE DE ESCREVER 3 – Evite verbos de pensamento, essa é a dica de Palahniuk

Chuck Palahniuk, autor de bestsselers e de obras adaptadas com sucesso de público e de crítica para o cinema, resume suas dicas aos novos escritores a um único tópico: evite os verbos de pensamento. Trata-se de sugestão que tem seu valor, observado o critério de que todo e qualquer modo de narrar ou de textualizar a cena deve ser analisada criteriosamente pelo escritor, ou pelo narrador interposto, tendo em vista os efeitos que pretende obter, ou a impressão que queira causar, para nos valermos de uma palavra utilizada por Edgar Allan Poe em sua “Filosofia da composição”.

O texto de Palahniuk foi publicado inicialmente, em 10 de agosto de 2015, por Natália Becattini, que assina a pequena introdução que o antecede.

Evite os “verbos de pensamento”: o conselho de Chuck Palahniuk para novos escritores

Há alguns anos, eu esbarrei nesse ótimo conselho de Chuck Palahniunk, um escritor que por acaso eu admiro pacas, mas tinha me esquecido completamente dele no fundo do meu arquivo de roubos. O interessante é que, ao contrário de muitas outras dicas para escritores que a gente vê por aí, esse artigo não é sobre questões metafísicas ou de bloqueio ou conselhos abstratos que a gente gosta de ler mas não sabe ao certo como seguir. É uma dica prática, do tipo “pegue papel e caneta e comece agora” e eu acredito que, aplicando-a na nossa escrita, realmente pode nos ajudar a lapidar nosso estilo.

Chuck Palahniuk:

Em seis segundos, você vai me odiar. Mas em seis meses, será um escritor melhor.

De agora em diante – pelo menos pelo próximo meio ano – você não poderá usar “verbos de pensamento”, incluindo: pensar, saber, entender, perceber, acreditar, querer, lembrar, imaginar, desejar e centenas de outros que você ama. 

Essa lista também deve incluir: amar e odiar. E pode se estender a ser e ter, mas nós vamos chegar nesse mais tarde. 

Até mais ou menos o natal, você não poderá escrever: “Kenny se perguntou se Mônica não gostava que ele saísse à noite…” 

Em vez disso, você terá de desmembrar isso em algo como: “Nas manhãs que se seguiam às noites em que Kenny estava fora depois do último ônibus, quando ele teria que pegar uma carona ou pagar por um carro para chegar em casa e encontrar Mônica fingindo dormir – porque ela nunca dormia daquela forma tão tranquila – naquelas manhãs, ela sempre colocava apenas sua xícara de café no microondas. Nunca a dele.”

Em vez de fazer seus personagens saberem qualquer coisa, você deve agora apresentar detalhes que permitam que o leitor os conheça. Em vez de fazer seus personagens quererem alguma coisa, você deve agora descrever a coisa para que seus leitores passem a querê-la também. 

Em vez de dizer: “Adam sabia que Gwen gostava dele.”, você terá que dizer: “No intervalo entre as aulas, Gwen se encostava no armário de Adam quando ele se aproximava para abrí-lo. Ela rolava os olhos e partia, deixando uma marca negra no metal, mas também seu perfume. O cadeado ainda estava quente pelo contato com suas nádegas. E, no próximo intervalo, Gwen estaria encostada ali, outra vez.” 

Para resumir, pare de utilizar atalhos. Apenas detalhes sensoriais específicos: ações, cheiros, gostos, sons e sensações. 

Normalmente, os escritores usam esses “verbos de pensamento” no início dos parágrafos (dessa forma, você pode chamá-los de “afirmação de tese”, e eu vou protestar contra eles mais tarde). De certo modo, eles afirmam a intenção daquele parágrafo. E, o que se segue, ilustra essa intenção. 

Por exemplo: “Brenda sabia que ela nunca cumpriria o prazo. O trânsito estava terrível desde a ponte, passadas as primeiras oito ou nove saídas. A bateria do celular havia se esgotado. Em casa, os cachorros precisariam sair para um passeio, caso contrário haveria uma grande bagunça para limpar depois. Além disso, ela prometeu que aguaria as plantas para o vizinho…” 

Você percebe como essa “afirmação de tese” tira o brilho do que se segue? Não faça isso. 

Se não tiver jeito, corte a sentença de abertura e coloque-a depois de todas as outras. Melhor ainda, mude para: “Brenda nunca cumpriria o prazo.” 

Pensar é abstrato. Saber e acreditar são intangíveis. Sua história sempre vai ser mais forte se você mostrar apenas as ações físicas e os detalhes dos seus personagens e permitir que seu leitor pense e saiba. E ame e odeie. 

Não diga ao leitor: “Lisa odiava Tom.”

Em vez disso, construa seu caso como um advogado na corte, detalhe por detalhe. 

Apresente cada evidência. Por exemplo: “Durante a chamada, no instante logo após a professora dizer o nome de Tom, naquele momento antes que ele respondesse, bem naquele instante, Lisa sussurrava “seu merda” justo quando Tom respondia “Presente”. 

Um dos erros mais comuns de escritores iniciantes é deixar seus personagens desacompanhados. Ao escrever,  você pode estar sozinho. Ao ler, sua audiência vai estar sozinha. Mas seus personagens devem passar muito pouco tempo sozinhos. Porque um personagem desacompanhado começa a pensar, a se preocupar ou a se perguntar.

Por exemplo: “Enquanto esperava pelo ônibus, Mark começou a se perguntar quanto tempo a viagem tomaria…”. 

Uma construção melhor seria: “A programação dizia que o ônibus chegaria ao meio dia, mas o relógio de Mark dizia que já eram 11:57. Dali dava para ver até o fim da rua, até o shopping, e ele não via nenhum ônibus vindo. Sem dúvidas, o motorista estava parado em algum retorno no fim da linha, tirando uma soneca. O motorista estava dormindo e Mark estava atrasado. Ou pior, o motorista estava bebendo e, quando ele parasse ali, bêbado, cobraria setenta e cinco centavos por uma morte horrível em um acidente de trânsito.” 

Um personagem sozinho deve mergulhar em fantasia, em memória, mas mesmo nesses casos você não pode usar “verbos de pensamento” ou qualquer um de seus parentes abstratos. 

Ah, e você não pode se esquecer dos verbos lembrar e esquecer. Nada de frases como “Wanda lembrou-se de como Nelson costumava escovar seu cabelo”.

Em vez disso, diga: “Quando estavam no segundo ano da faculdade, Nelson costumava arrumar o cabelo dela com escovadas suaves e longas”. 

Outra vez: desmembre. Não utilize atalhos. 

Melhor ainda, coloque o seu personagem junto com outro personagem rapidamente. Coloque-os juntos e deixe a ação começar. Deixe a ação e as palavras mostrarem seus pensamentos. Saia da cabeça deles. 

E, enquanto estiver evitando os “verbos de pensamento”, seja muito cauteloso ao utilizar os verbos ser e estar. 

Por exemplo: 

“Os olhos de Ann eram azuis” ou “Ana tinha olhos azuis”.

versus

“Ann tossiu e sacudiu uma mão em frente seu rosto, espantando a fumaça de cigarro de seus olhos, olhos azuis, antes de sorrir…”

Em vez de usar os sem graça “ser” e “ter”, tente enterrar esses detalhes dos personagens em suas ações ou gestos. Para simplificar, isso é mostrar sua história, em vez de contar. 

E daqui para frente, depois que você aprender a desmembrar seus personagens, você vai odiar os escritores preguiçosos que se contentam com: “Jim sentou-se ao lado de seu telefone, perguntando-se se Amanda não ligaria.” 

Por favor. Por enquanto, me odeie com todas as suas forças, mas não use “verbos de pensamento”. Depois do natal, sinta-se livre, mas eu apostaria dinheiro que você não vai voltar atrás. 

(…)

Como tarefa do mês, vasculhe suas escritas e circule cada “verbo de pensamento” que você encontrar. Depois, encontre uma forma de eliminá-los. Mate-os através do desmembramento. 

Em seguida, vasculhe algum livro de ficção e faça o mesmo. Seja impiedoso. 

“Marty imaginou um peixe saltando sob a luz da lua…” 

“Nancy lembrou-se do sabor do vinho…” 

“Larry sabia que ele era um homem morto…” 

Encontre-os. Depois, descubra um jeito de reescrevê-los. Torne-os mais fortes.

– Chuck Palahniuk

Mais sobre Chuck Palahniuk em seu site oficial.

Texto original em < http://www.oxfordcomma.com.br/conselhos-de-chuck-palahniuk/ >.

Considere, no entanto, que a proposta de Palahniuk se volta para um tipo de escrita, um recorte mercadológico e uma estética literária específicos, e que a representação simbólica artística de nosso tempo nos exige, como escritores, como autores, como artistas, instrumentos amplos, diversificados, e o conhecimento de propostas diferentes, até mesmo antagônicas, e de os mais variados perfis quanto ao modo de narrar e ao modo de encenar a poesia ou a ficção que escrevemos.

Nenhuma verdade mais é absoluta nos tempos alexandrinos em que vivemos.

Rauer Ribeiro Rodrigues
Professor; escritor; em travessia

Informação importante: O Prof. Rauer ministrou, há alguns anos, na pós-graduação de Letras / Estudos Literários, do Câmpus de Três Lagoas da UFMS, um Curso de Escrita Criativa; a nosso pedido, alguns dos textos que serviram de diretriz para as aulas, aqui comentados pelo professor, serão replicados no Blog da Editora Pangeia ao longo das próximas semanas e meses. Além desses textos, o professor incluirá outros, ampliando o escopo do curso para um público além dos estudantes universitários. Não perca! Vale a pena acompanhar. (Rízio Macedo Rodrigues, Editor, Editora Pangeia).

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Como publicar seu livro:
< https://editorapangeia.com.br/como-publicar-seu-livro/ >.

Aula 1: “A arte de escrever 1 – As oito lições de Isaac Babel”:
https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-1-as-oito-licoes-de-isaac-babel/ >.

Aula 2: “A arte de escrever 2 – Os segredos da ficção, segundo Raimundo Carrero”:
< https://editorapangeia.com.br/a-arte-de-escrever-2-os-segredos-da-ficcao-segundo-raimundo-carrero/>.

 

A ARTE DE ESCREVER – links descritivos de todos os artigos da série.

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