Aulas de poesia para pequenos leitores

de Nima Spigolon,
O Gambazinho Saruê,
com desenhos para colorir
por Lana Maciel

Nima, a autora de O Gambazinho Saruê

 

Atividades interdisciplinares
Caderno Pedagógico do Professor
.          elaborado por Rauer *

Nima Spigolon é professora na Faculdade de Educação da UNICAMP, atuando na graduação do curso de Pedagogia e das Licenciaturas; atua também no mestrado e no doutorado em Educação e no Mestrado Profissional em Educação Escolar, do qual foi coordenadora. Atualmente é chefe do DEPASE – Departamento de Políticas, Administração e Sistemas Educacionais. É pioneira e referência na pesquisa da vida e da obra da educadora Elza Freire, a esposa e companheira que trouxe o jovem advogado Paulo Freire para a Educação.

Aos 49 anos, após livros individuais e coletivos na área acadêmica, lançou seu primeiro livro individual: De(s)morte(s), ver AQUI, trata do cotidiano feminino nos primeiros meses da pandemia e saiu no início de 2021. Nima publica poemas em antologias e revistas desde a adolescência, e também em 2021 publicou seus primeiros microcontos, na coletânea Micros-Beagá, ver AQUI,  e seu segundo livro de poemas, o infantojuvenil O Gambazinho Saruê., sobre o qual vamos tratar nesse Caderno Pedagógico.

A proposta do livro é bastante interessante sob o aspecto poético e sob o aspecto pedagógico. Nas duas frentes, o livro se realiza muito bem, mostrando uma pensadora potente, com pleno domínio dos meios expressivos, e que articula as diversas possibilidades de formas poéticas em linguagem apropriada a leitores iniciantes. O poemas do livro acompanham um eu-poético muito simpático, o gambazinho saruê, a partir de formas fixas do poema, o soneto é um exemplo, e em subgêneros da poesia, tendo aqui a égloga como exemplo.

Quer modo melhor do pequeno leitor conviver e vivenciar a poesia, o poema, a diversidade poética?

Com uma vantagem adicional: encantando-se, encantadas que as crianças são desde sempre, com a figura do saruê.

Note-se aqui que o meio-ambiente, o gambazinho, a natureza, constituem cenário e protagonistas, são defendidos, mas o “engajamento” da autora não transforma seus versos em discurso ideológico, em dissertação que contamina e destrói o lirismo: na visão poética de Nima Spigolon não há espaço para que a poesia ceda seu lugar para o antipoético, e até o que poderia ser negativamente disruptivo, prosaísmo inaceitável, se torna também matéria de poesia a partir dos sortilégios verbais criativos da poeta.

O livro traz as seguintes formas poéticas e subgêneros da poesia: acalanto, cantiga, ciranda, haicai, pastoril, poema em verso livre, “poeminha”, quadra (ou quadrinha) popular, soneto e tanka. No total, são 21 poemas em livro de 16 páginas, todas elas ilustradas com desenhos em traço para colorir com canetinhas. Eis o sumário (em negrito, o número das páginas) com os títulos dos poemas:

Um Soneto 5
Duas Cantigas 6
Três Tanka 7
Quatro Haicai 8
Ciranda 9
Poeminha 10
Pastoril 11
Quatro Quadras 12
Mais Duas Cantigas 13
Poeminha Futurista 14
Acalanto 15

Alguns detalhes das informações acima: a numeração dos poemas propicia a internalização nos jovens leitores da sequência numérica; as duas mais duas cantigas fazem a adição para o quatro, que surge duas vezes; o fecho com “Acalanto”, poema de ninar, da hora de dormir, para ser lido em voz alta à noite, fecha o dia do pequeno leitor com poesia – esses são apenas alguns dos pequenos encantos desse livro, pensado nos detalhes e no todo, como devem ser todos os livros, sempre.

Vamos falar de cada poema?

“Um soneto” abre o livro. O soneto é uma forma fixa que foi criada no século XIII por Giacomo da Lentini(1210-1260; o poeta é também conhecido por Jacopo il Notaro) e levado à perfeição já no século XIV por Petrarca (1304-1374); os dois poetas eram italianos. O século XIII está há 800 anos de nossos dias. Tivemos em língua portuguesa grandes cultores do soneto, em lista que pode chegar à casa do milhar, da qual destacamos Camões, Gregório de Matos, Gonçalves Dias, Gilka Machado, Fernando Pessoa, Francisca Júlia, Jorge de Lima e Florbela Espanca; todos os grandes poetas  escreveram sonetos, e nessa forma alcançaram também excelência: é o caso de  Manuel Bandeira, Drummond, Hilda Hilst, Vinícius e Cecília Meireles.

O soneto de Nima segue a forma clássica, com dois quartetos e dois tercetos, com versos em redondilha maior, medida de poesia popular de fácil assimilação. O esquema de rimas é ABAB / CBCB / DDB / EEB – como se nota, há uma rima que se repete em todas as estrofes, amplificando a sonoridade envolvente das rimas e do léxico escolhidos, o que se realça ainda mais com a utilização da métrica – curta e popular – de sete sílabas em cada verso.

É um soneto narrativo. Na primeira estrofe, logo no primeiro verso, o eu poético é apresentado: “O saruê gambazinho”, que em seguida é qualificado como faceiro, a observar, de um cantinho no alto, “o terreiro”. Na segunda estrofe, o “bichinho” é descrito como “levado”, “fagueiro”, “brincalhão” e “ligeiro”. Na terceira estrofe, o hábito de dormir “quieto o dia inteiro” é apresentado. O fecho na quarta estrofe é com o saruê aparecendo corajoso, à noite, “com seu jeitinho matreiro”.

Não há, no poema, inversões sintáticas, enjambement, palavras que não sejam as mais coloquiais. O ritmo dos versos é cadenciado e rápido, em toada agradável ao ouvido, e a leitura do poema em voz alta tem leve teor encantatório. O poema abre o volume e nos apresenta o protagonista: o gambazinho saruê do título do livro.

  • Vamos pesquisar?
  • O que é um soneto?
  • Quais as características do saruê?
  • O saruê convive bem com os seres humanos?
  • O que devemos fazer ao encontrar um saruê?
  • Vamos desenhar um saruê?
  • Vamos colorir o saruê do soneto?
  • Quais outros animais aparecem nessas primeiras cinco páginas do livro?
  • Quais outros elementos da natureza aparecem nessas páginas?

“Duas cantigas” está na página 6. Opa, outros bichinhos aparecem nos desenhos, dois deles considerados os nossos melhores amigos.

A cantiga é um poema que vem de tempos imemoriais – tanto que a palavra já existia no latim antigo e seu primeiro registro em Português está nos albores da língua, no século XIII. Está ligada à música e à dança. Apresenta-se sempre com rimas marcantes, vocabulário simples e ritmo dançante, características propícias paras as brincadeiras de roda. Biderman, em seu Dicionário Didático de Português, assim define cantiga: “música para ser cantada. […] Tipo de poesia em versos pequenos e estrofes iguais”.

É exatamente o que encontramos nessas duas cantigas de Nima Spigolon, em duas roupagens diferentes.

Na primeira cantiga, as duas estrofes exatamente iguais, com três versos que podem ser lidos como versos de quatro sílabas, acelerando a leitura nos encontros de vogais e lendo os hiatos ao modo de ditongos. Essa aceleração de leitura induz ou emula a roda, a dança, o fluir da vida em poesia, em movimento do corpo e em melodia musical.

A segunda cantiga tem versos mais longos e retoma intertextualmente uma cantiga de roda popular. São duas estrofes, com um refrão que replica a passagem onomatopeica de “Mamãe é uma roseira”, com o “Saruê” substituindo a sequência após a cesura no segundo verso do refrão. Jás os dois primeiros versos de cada estrofe apresentam cachorrinhos latindo para a lua, uma coruja e um vagalume. O Saruê está em uma festa em cenário que indica um quintal grande, feliz.

  • Vamos conhecer outras cantigas?
  • Vamos dançar com as cantigas do Saruê?
  • Vamos construir cantigas com outros animais da natureza?
  • Vamos recriar as cantigas, substituindo o Saruê dos versos por bichinhos de que gostamos?
  • Vamos colocar onomatopeias de sons dos animais nos nossos versos?
  • Vamos inventar palavras e expressões sonoras, do tipo “osquindo lê lê, osquindô lê lê lá lá”?
  • Vamos tocar músicas e dançar com as cantigas que reescrevemos?

Chegamos agora aos Três Tanka”. O título contém uma aliteração, e a palavra “tanka” segue invariável no plural, conforme a norma gramatical culta. No blog da Pangeia, temos artigos de acesso gratuito sobre o haikai que menciona o tanka, clique AQUI para os ler. Os tanka de Nima Spigolon seguem as lições clássicas da origem nipônica da forma, com a liberdade que a adaptação no solo brasileiro vestiu a esse tipo de poema.

O tanka é um poema com cinco versos em duas estrofes, a primeira com três versos, a última com dois; os versos tem métrica regular em 5/7/5 – 7/7. As rimas são opcionais; no entanto, os poemas devem ter eufonia, ou seja, serem harmônicos, de leitura fluida. Os tanka normalmente fazem referência à natureza, descrevem sem subjetividade um flagrante da vida, e os dois versos finais, no mais das vezes, configuram uma reflexão sobre o que o terceto descreveu.

Os tanka de Nima seguem o esquema tradicional da forma, evocam a natureza e, em todos eles, surgem o Saruê: no primeiro, em seu horário de vigília, que é “na paisagem noturna”; no segundo, são oito gambazinhos, uma ninhada, e o dístico final os acompanha no passeio, que é também a procura de alimentos; no terceiro tanka, o Saruê mastiga “um pedacinho da lua / minguante no céu”, e a lua, no surrealismo de tom infantil, “brilha” dentro dele.

  • De que modo cada um dos colegas compreendeu os Tanka?
  • Você compreendeu os tanka de que forma?
  • Conte em voz alta para os colegas o resumo de um dos tanka.
  • Escute como cada um compreendeu o que leu.
  • Troque as impressões, as explicações, construa sua imagem do que a narrativa implícita em cada tanka nos conta.
  • E agora, vamos construir uma pequena história que reúna os três tanka em uma única narrativa?
  • Escreva, pois, ao seu modo, o que constitui um enredo desse Saruê e de sua família.
  • Conclua a atividade desenhando uma HQ tendo por roteiro o enredo que escreveu.

Os “Quatro haicai” seguem o princípio básico da forma, de trazerem um kigo, ou seja, uma menção que identifique a estação da natureza de que trata cada haicai. No caso, além dos elementos da natureza que indicam a estação, muitas vezes não mencionada explicitamente, a estão está verbalizada, da Primavera ao Inverno, passando por Verão e Outono. O haicai é forma nascida há milênio e meio na China continental, posteriormente aclimatado e desenvolvido em todo seu esplendor no Japão. Leia sobre o haicai AQUI e AQUI.

O haicai se caracteriza por ser um poema muito curto, com uma única estrofe de três versos, os versos tendo estrutura sonora com 5/7/5 sílabas poéticas (no original nipônico, 5/7/5 sons). Não carrega obrigatoriedade de rimas, mas precisa ter sonoridade agradável, com os ecos, aliterações e outros efeitos de melopeia constituindo um constructo flagrante externo e estático do real, de linguagem simples, porém inventiva, homogênea e significativa em sua originalidade.

No primeiro haicai, a Primavera saúda o Saruê – tal antropomorfização é rara no haicai nipônico, e mesmo pouco aceita no haicai dos nossos trópicos; parece, no entanto, muito bem aclimado em poema voltado a crianças, e segue rigorosamente a métrica exigida; por outro lado, a utilização da segunda pessoa do singular na fala da Primavera, referindo-se ao Saruê, abre possibilidade de tratar com os alunos sobre variação linguística, dialetologia e respeito às diferenças.

No segundo haicai, a indagação feita abre possibilidades que remetem ao referente do Verão e possibilidades intrínsecas, inclusive retomando o último tanka, da página anterior. Abre, também, possibilidades criativas, de que o que faz brilhar o gambazinho é luz interior ou sua configuração como protagonista dos versos e do livro.

No terceiro haicai, gambazinho e “tons de Outono” mesclam suas cores, e o amarelo-amarronzado das folhas camuflam o Saruê. A exclamação judicativa e eufórica do verso final contempla juízo de valor da visão estética do “encontro” que os versos relatam.

No quarto e último haicai, chega o Inverno e os saruezinhos se recolhem e “dormem / na bolsa da mãe” – são quantos? A indagação final dialoga com o segundo tanka da página anterior, que nos conta que a ninhada da família de saruês do livro é composta por “oito espertos gambazinhos”. Essas possibilidades de leitura, com remissões internas, consolidam a leitura da obra e dos poemas na proposta de coesão interna, de autorreferenciação positiva, de fixação da leitura.

  • Qual a diferença formal entre haicai e tanka?
  • Qual a definição que a Primavera dá do Saruê no fecho do primeiro haikai?
  • Quais os significados de cada palavra que referencia o Saruê?
  • Você concorda cabe ao Saruê essas palavras?
  • Quais outras palavras você utilizaria para qualificar o gambazinho?
  • Explicite quais são, a seu ver, os brilhos possíveis do Saruê contidos na pergunta do segundo haicai.
  • Por que “os tons do Outono” escondem, de forma bela, o gambazinho?
  • A pergunta do quarto haicai faz remissão interna a outro poema do livro; qual é este poema?
  • De que modo, então, podemos responder à pergunta feita?
  • Essa informação tem relação com estudos sobre o Saruê? Vamos fazer essas pesquisa? Ou já fizemos a pesquisa e temos a resposta anotada?
  • Você gostaria de ler um haicai sobre qual bichinho que você conhece?
  • Vamos escrever esse haicai?

A “Ciranda”. Ciranda é um tipo de poema que faz parte do grande rol das cantigas. Nos ensina Silveira Bueno, no seu Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Lingua Portuguesa, que em modo figurado a palavra designa “brinquedo de roda com que se divertem as crianças. Canto e música próprios deste brinquedo”. A ilustração do poema mostra uma família Saruê: a mãe e oito filhotes dançando de roda em volta de oito moranguinhos.

O poema de Nima Spigolon tem ritmo dançante em versos de quatro sílabas, com algumas palavras escritas no registro informal da fala cotidiana, em que o final dos verbos da segunda conjugação ficam em ê e não no er do registro formal.

  • Vamos dançar com a ciranda?
  • Você sabe distinguir quando uma palavra está escrita na língua formal ou na nossa língua do dia a dia?
  • Quais palavras estão registradas desse modo “informal” no poema?
  • Em quais momentos devemos usar a língua formal?
  • Quando podemos utilizar uma linguagem cotidiana, do nosso dia a dia?

Chegamos agora ao Poeminha”. Por que esse título? Não se refere a nenhuma forma específica, a nenhum subgênero da poesia. Trata-se, pois, de um nome genérico para designar um pequeno poema. No caso, um poema com cinco estrofes, as quatro primeiras com três versos e a última com quatro versos. A cada estrofe, o último verso rima com algum verso anterior, e há somente uma rima comum entre duas estrofes.

“Poeminha” nos apresenta a variedade de nomes que nosso gambazinho brasileiro recebe nas diversas regiões do país: Cassaco, Micurê, Mucura, Sarigué, Saruê, Taibu, Timbu. Fala da devastação do “seu habitat natural” e conclama para a preservação da fauna, da natureza e do planeta.

  • O Saruê corre risco de extinção?
  • Vamos pesquisar sobre isso?
  • Vamos pesquisar sobre a preservação do planeta?
  • Vamos criar peças de propaganda de defesa do planeta?
  • Vamos colocar essas peças – desenhos, clips, vídeos, desenhos animados, etc. – na internet?

O poema da página 11 é o “Pastoril”. Esse é um tipo de poema que remonta também aos primórdios da Antiguidade Clássica. No seu Dicionário de termos literários, na edição revista e ampliada de 2004, Massaud Moisés registra os seguintes verbetes correlatos: Pastoral; Pastorela; Pastoril; Descort;Ensalada; Lai; Égloga; Idílio. Em comum, trata-se de poema lírico, o que indica que no mais das vezes é sua leitura ocorre em público e em voz alta, com acompanhamento por um instrumento musical, na origem, a lira.

Há também, nesses vários étimos, um caráter cênico, uma dramatização ao menos indiciada no contexto narrado, até uma certa sensualidade latente, mesmo em solilóquios. No entanto, outros temas e vozes cabem no âmbito do subgênero, embora o cenário bucólico permaneça. Os árcades, poetas neoclássicos, tem em tal âmbito seu locus amoenus de eleição. Poetas do século XX (um Dantas Motta, poeta de Aiuruoca, no Sul do Estado de Minas Gerais, por exemplo) voltaram ao subgênero como exaltação campesina e como espaço utópico de uma antiutopia.

O poema de Nima Spigolon se insere nessa tradição, contrapondo o “embalo pastoril” de “ritmo simples” à “cena urbana”, geradora de medo e de fome, entre outros problemas, mantendo o Saruê atento (o que ger estresse) e escondido do modo que for possível.

Com sonoridade marcada por versos curtos, polimétricos (entre duas e seis sílabas), fluidos, com rimas, aliterações, rimas internas, ecos melopaicos, o poema também descreve morfologia e hábitos do Saruê. Sob esse aspecto, também está na tradição longínqua do subgênero, tanto em Grécia quanto em Roma, com a descrição de aspectos da vida rural ou de elementos da natureza.

  • Você conheceu mais algumas características do Saruê: descreva o gambazinho para nós, por favor, utilizando suas próprias palavras ou as palavras do poema.
  • Você gostaria de ter uma vida mais campestre ou prefere ficar só na cidade?
  • Por que o Saruê está nas cidades?
  • Devemos fazer o que para que ele volte para as matas e campos da área rural?
  • Você viu que no desenho o Saruê descansa no toco de uma árvore cortada por motosserra?
  • Como o Saruê vai se proteger dos seus predadores (a onça, o gato do mato, o gavião, etc.) sem as árvores, as tocas, os ocos para se esconder?
  • Você sabe o que é ecologia?
  • Como podemos definir essa palavra?
  • Após essa definição, você se sente ao menos um pouquinho ecólogo?
  • O que devemos fazer para proteger o Saruê nas cidades?

“Quatro Quadras”. Poema de cunho popular das raízes medievais da língua portuguesa, a quadra integra de tal modo o ethos da língua que mesmo poetas cerebrais, como Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto, a praticaram de modo intenso, intensivo e extensivo. No Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete, entre inúmeras acepções de variados campos, surge: “Quarteto; estrofe de quatro versos”.

Mais específica, Norma Goldstein, em Versos, sons, ritmos, informa: “Quadrinha é o poema de quatro versos que, geralmente, desenvolve um conceito relativo à filosofia popular”. Notemos, na breve definição de Goldstein, que ela nomeia a quadra como quadrinha, o diminutivo nos parecendo mais afeto do que rebaixamento, pois eleva a cultura popular ao estatuto de conceito e de filosofia.

É em Massaud Moisés (obra citada) que encontramos considerações mais extensas, similares às já apresentadas, das quais destacamos: “Conhecida desde a Idade Média, a quadrinha é um dos poemas de forma fixa mais tipicamente vernáculos. E a despeito de haver utilizado, no curso de sua evolução histórica, vários metros, o redondilho, sobretudo o maior (de sete sílabas), constitui-lhe o verso predileto”.

Assim são as quadras desse livro de Nima Spigolon, que opta, no entanto, pela redondilha menor (cinco sílabas poéticas), eventualmente de quatro sílabas. Nas rimas, prevalece o esquema ABBA, com a terceira quadra tendo todos os versos coma rima em inho, marcando diminutivos em série.

Mantendo alto tom poético no tratamento do tema, as quadras apresentam o Saruê na cidade, mostrando-o a passear pela praça, embora seja na essência um “bichinho / do mato”. Descreve o Saruê se alimentando de mel, carrapatos e escorpiões, e sua curiosidade nata, atento que é aos hábitos humanos nas reuniões familiares do início da noite.

  • Vamos desenhar os espaços do Saruê?
  • Quais são os espaços que são citados nas quadras?
  • Quais outros espaços o Saruê pode transitar?
  • Vamos pesquisar e conhecer outras quadrinhas de gosto popular?
  • Vamos ler e comentar algumas quadras que selecionamos para os colegas?
  • Que tal tentarmos escrever algumas quadrinhas?
  • Vamos fazer um teatrinho com o gambazinho passeando pela cidade e pela mata?

Mais Duas Cantigas confirma a vocação de melopeia dos poemas deste livro e do estro poético de Nima Spigolon.

A primeira cantiga da página 13 é composta de uma única estrofe de cinco versos. A brincadeira do poema se instaura com as rimas internas e no final dos versos, todas com um á, oxítono. Mostra o Saruê subindo e descendo, tão rápido, tão ágil, que até parece “piruá”, ou seja, o milho-pipoca pulando sem estourar na panela e ribombando no metal.

Na segunda cantiga, são quatro estrofes, as duas primeiras e a última de três versos, a terceira com quatro versos. O poema faz uma paródia do ritmo e das imagens da conhecida cantiga “Alecrim”, do cancioneiro popular imemorial da língua portuguesa. Assim, o Saruezim nasce “sem ser semeado”, e é “luz do campo”.

  • Vamos procurar vídeos com cantigas de roda?
  • Vamos procurar a cantiga “Alecrim” e comparar a letra dela com a segunda cantiga?
  • Vamos achar cantigas que se pareçam com a primeira cantiga, tendo as rimas em á?
  • Vamos musicar essas cantigas, colocando chocalhos, bumbos, tambores e outros instrumentos?
  • Vamos gravar essas musicalizações e mostrar para as pessoas de que gostamos?

“Poeminha Futurista” tem, no rodapé da página, o desenho de uma sucessão de edifícios, de casas a prédios: é o cenário urbano por excelência, de “carros rápidos / velozes […] que é só cimento, que é só concreto”. Em versos livres, mais largos, com dinâmica interna em que versos muito curtos acentuam a dinâmica da vida urbana. Na “cidade grande”, de “grandes prédios” e “avenidas imensas”, o “saruezim sem teto se esconde no oco da única árvore de uma praça”.

A estrofe final pergunta sobre qual futuro haverá para todos nós nesse planeta futurista que elimina a natureza. O verso livre, alternando longos versos com versos curtos, mostra visualmente e na respiração do poema a dificuldade de viver nesse mundo do futuro já presentificado, de praças, ruas e prédios de cimento e concreto, vazios de humanidade.

A “revolução formal” realizada por poetas do período moderno (do Romantismo à segunda metade do século XX, ao menos), “sem preocupar-se com modelos formais”, como anota Salvatore D’Onofrio em seu Teoria do texto 2 – Teoria da lírica e do drama, permite esse jogo lúdico de poema reflexivo, marcado com os versos longos no poema de Nima, alternados a versos curtos, que indicam a velocidade do momento, as ruas frenéticas, barulhentas, e conclui com indagação que é fortemente retórica e existencial, fortemente poética com seu pathos que solicita a reflexão dos leitores.

  • Na nossa cidade, no nosso bairro, há preocupação com a qualidade de vida?
  • Há reservas naturais, preservação de nascentes, proteção com matas ciliares?
  • Há cuidados para evitar ruídos e incômodos que nos intranquilizam em nossos lares?
  • E em outros locais da cidade, há esses cuidados?
  • Vamos pesquisar e fazer uma redação sobre isso?
  • Vamos debater isso com amigos, familiares, pessoas das quais gostamos?
  • PS: o “Poeminha Futurista”, a meu ver, dialoga com a epígrafe do livro – como essa epígrafe é de minha autoria, não tratei dela ao longo dessas sugestões, mas fica aqui essa anotação para que o professor, a seu critério, utilize da forma que achar melhor a epígrafe e sua relação com os poemas do livro de Nima Spigolon.

O poema “Acalanto” encerra o livro como quem fecha os olhos no final do dia. Ler é maravilhoso, mas é preciso também descansar. Acalanto é um subgênero do poético voltado para as canções de ninar, para a lírica que induz ao descanso.

Esse canto coloca a situação invertida: o gambazinho descansa de dia, enquanto as crianças vão para a escola. Há, no entanto, a partir de certo momento, uma espécie de coalescência entre os sujeitos poéticos, e o gambazinho e a criança parece que se tornam um só: e a criança, após retornar da escola, “queira terminada”, vai também dormir. O refrão, que abre e encerra o poema, sendo repetido internamente a cada três estrofes em forma de dísticos, marca a monotonia que as rimas e os versos indiciam.

  • O acalanto, poema para fazer dormir, é para fazer dormir a você ou ao gambazinho?
  • Você já sonhou com o gambazinho? Pode nos contar algum de seus sonhos?
  • Porque o gambazinho precisa ficar longe de “crianças traquinas”?
  • Como ser verdadeiramente amigo de um Saruê?

Você quer conversar com a Nima?

Se você é igual a mim, você está querendo muito conversar sobre esse livro com quem o escreveu, a profa. Nima. Acertei?

Escreva então para ela, por e-mail ou por carta, ou das duas
maneiras, conforme os endereços eletrônico e postal:

oi.sarue@saruê.com
Rua Américo de Campos, 903
13083-040 – Campinas – SP

* Rauer Ribeiro Rodrigues
Professor de Literatura Brasileira na UFMS;
escritor,  com livros publicados nos três selos da Pangeia – ver AQUI;
em travessia.

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