Uma leitura dos haikai de Fluido Céu, livro de Willia Katia Oliveira
Rauer *
O haikai de Willia Katia Oliveira é um raio de luz que brilha ainda que esteja diante do sol. E se o ar se apresenta tempestuoso e cinza, os versos de Willia dissipam as trevas.
É um haikai que nasce de certa poiesis e de certo sentimento íntimo que se nutrem da vida cotidiana e são irrigados por talento inato, capaz de apreender o cosmos e o humano em palavras.
À visão poética – que lhe é inata, e que gerou os primeiros haikai lá no ano de 2014 –, aos poucos Willia aliou estudo sistemático, que, junto às leituras literárias diárias desde a infância, deram-lhe engenho à arte e arte ao engenho.
Vejamos isso em Fluido Céu.
O haikai é um instante único, que, ao ser plasmado em palavras, cria imagem objetiva a sintetizar visão única do momento, em captura sinestésica, singular e original, fruto da subjetividade do haijin que perfaz poema do qual o enunciador como que se ausenta por completo.
O haikai, sob essa simplicidade objetiva aparente, é poema com diversos critérios e parâmetros para ser escrito, para ser plasmado, para obter os efeitos e os significados que o embalam. Dominar esses princípios é tarefa para anos de leitura dos mestres e de estudo dos teóricos.
Willia, da base de leituras múltiplas ao longo da vida, do exercício do olhar sensível e poético sobre as coisas e os fatos, edifica sua poética com visão de mundo em que a paixão do existir coalesce com a compaixão do vivido.
Tal amálgama a faz observar, registrar e embalar pequenos flashs com engenho nato e engenho adquirirco, com a arte de quem é contemporânea de um mundo que repele o poético.
Tal repulsa surge em seus poemas, que acolhe o mal-estar de nossos dias em clave de compreensão e amor.
Seus haikai partem do transitório, do efêmero, do miúdo e sem valor, contraposto ao perene, ao eterno, ao grandioso, ao imutável, e fecha-se em síntese que cristaliza as oposições, que transmuta em novo e memorável conhecimento coisas, seres e conceitos oxímoros.
Está aí uma lição permanente dos grandes nomes do haikai em sua tradição oriental clássica. A tal aspecto, Willia denota a complexidade do terceiro milênio, fazendo com que o mesmo elemento, tal como surge no poema, pode ser, em um caso, índice do perene, e em outro, índice do transitório.
Ademais, Willia faz cesuras, cortes, assonâncias, ritmo, kanjis e outros aspectos característicos do haikai com habilidade, sem forçar a mão: o extremo labor da construção não transparece na obra final, que parece nascer naturalmente, como se se desse na sua inteireza para a poeta, que nada precise fazer a não ser colher o poema, entregando-o à nossa fruição.
Willia, no céu da poesia, é fluida haijin, e este seu Fluido Céu é um livro maiúsculo, composto por pequenos poemas de três versos, no esquema oriental clássico de 5/7/5 sílabas, com um sabor zen-tropical a ser aplaudido.
* RAUER
Organizou diversos outros livros além deste
Fluido Céu. Escritor, é professor de literatura
na UFMS e autor de mais de duas dezenas
de livros, entre literários e acadêmicos.
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