PPG-UFF – Literatura em Movimento: Pesquisa e Investigação 2 – ePub

“Pensar esse mundo que nos rodeia e nos chega através do literário exige um esforço de pesquisa e investigação que se materializa em diferentes operadores capazes de direcionar e sustentar análises, interpretações, teorizações acerca de textos de e sobre literatura. Este é o trabalho desenvolvido pelo Programa de Pós Graduação em Estudos de Literatura, contribuir para uma melhor leitura do mundo em que vivemos através dos estudos literários. Os 31 textos que compõem este volume nos apresentam, cada um a seu modo, diferentes atos de leitura que contribuem para uma melhor compreensão do literário e da sociedade que o produz.”

Boa leitura!

Renata Flávia da Silva

Professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense

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Descrição

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Esta obra é composta por trinta e um capítulos que reúnem trabalhos com abordagens e linhas teóricas afins.


 

1-“LA VIDA ES UN SAINETE” OU O SAINETE É A VIDA

Alfonso Ricardo Cruzado

Ao abordar as manifestações artísticas populares, deparamo-nos com a dificuldade relativa à reflexão teórica produzida em torno delas e aos contextos aos que aparecem vinculadas pela crítica e pela historiografia. Consequentemente, ao tentarmos definir o gênero, bem como avaliar a importância que o sainete criollo teria tido em inícios do século XX, o trabalho se vê dificultado pela desvalorização promovida pelo campo intelectual, dessa e de outras manifestações populares. Esta comunicação propõe uma análise breve do gênero sainete a partir de duas peças de Alberto Vacarezza (1886-1959): “La vida es un sainete” (1925) e “La comparsa se despide” (1931). Na análise, nos deteremos não apenas na observação das características do gênero – peça em um ato, cômica ou tragicômica, com personagens populares –, como também nos diálogos que essas obras estabeleceram com outras, contemporâneas, e relacionaremos a recepção que tiveram em publicações da época. Frente às leituras consagradas que veem o gênero dissociado de outras poéticas dos anos 1920, esta proposta visa recontextualizar e reavaliar o sainete criollo, em um momento em que as vanguardas estavam questionando as fronteiras entre arte e vida, assim como entre o popular e o culto.

 

2-A ILHA E, A ILHA É A PRISÃO N’A TEMPESTADE

Ana Luiza Lobo Pereira

O trabalho irá tratar do espaço da ilha em que se desenvolve a trama da peça A Tempestade, de William Shakespeare e do espaço da prisão presente no romance Semente de Bruxa, de Margaret Atwood, comparando os dois espaços e mostrando o que cada um deles tem em comum, passando pelo conceito de não-lugar de Marc Augé e pela ideia de que cada personagem projeta na ilha sua própria prisão. O argumento principal do trabalho será baseado no artigo “The Man in the Island: Shakespeare‘s Concern with Projection in The Tempest”, de Peter K. Shaw, em que ele relaciona o papel de cada personagem na história com a maneira como eles veem o espaço da ilha. Semente de Bruxa é uma adaptação da peça de Shakespeare, em que a autora, Margaret Atwood, ambienta grande parte da narrativa dentro de uma prisão. É a história de Felix, um diretor de teatro falido que vê em um projeto social a chance de colocar em prática seu plano de vingança, que será realizado através de uma montagem de A Tempestade. Será feita uma análise de cada espaço e suas representatividades e uma comparação entre eles, que tem a intenção de tentar desvendar por que a autora do romance resolveu ambientar grande parte de sua obra dentro de uma prisão, dentre todos os espaços possíveis que ela poderia ter escolhido.

 

3-FETICHISMO E FANTASMAGORIA EM LOURENÇO MUTARELLI

André Ricardo Vilela

Busca-se analisar a literatura de Lourenço Mutarelli, principalmente seu romance O natimorto, à luz da análise feita por Marx acerca do fetichismo da mercadoria. Procura-se, dessa forma, mostrar como Mutarelli, assim como na manobra retórica da teoria do fetichismo marxista, escancara certas contradições no contexto do capitalismo tardio, desmistificando certos conceitos enraizados como sendo intrínsecos à modernidade. Dessa forma, ao retomar formas de conhecimento de mundo pré-racionais, marginalizadas a partir da consolidação do status quo em que vivemos, ele busca demonstrar o quanto há de mágico e anímico no comportamento do homem de hoje. Portanto, dentro dessa linha de pensamento, o fetiche e a magia não seriam exclusividades dos nossos antecessores ditos “primitivos”.

 

4-O SER FRAGMENTADO DE T.S.ELIOT EM “OS HOMENS OCOS” E O DE BECKETT EM ESPERANDO GODOT

Bárbara Bravo Pires Ferreira

Embora Samuel Beckett e T.S.Eliot façam parte de uma extensa lista de grandes escritores modernos do século XX, muitos pesquisadores têm dificuldade em estabelecer laços entre eles, por possuírem estilos distintos e considerações sobre o fazer literário diferenciadas. No entanto, o presente trabalho busca aproximar os autores através das suas respectivas obras, a peça Esperando Godot e o poema “Os homens ocos”, estabelecendo uma comparação entre os tipos de fragmentação encontrados nos textos, além de examiná-los pela ótica histórico-literária, pelas percepções de mundo que oferecem. Os dois trabalhos, apesar de distintos em gênero, compartilham influências vindas de Dante Alighieri, que é o autor da obra chave auxiliadora na construção de seus lugares (ou não lugares), que é A divina comédia. Dessa forma, partindo de temas relacionados ao existencialismo, fundamenta-se a pesquisa, principalmente ao redor das interrogações sobre a percepção do sujeito no mundo, ao fazer uma análise das particularidades de correlação entre as questões existenciais para compreender os elementos da fragmentação que humanizam e também os que desumanizam as personagens presentes nas obras. Enfim, entende-se que os autores refletem visões de mundo no pós-guerra, e que ambos possuem um desenvolvimento de consciências da fragmentação, não só no nível do sujeito, mas também nos próprios níveis textuais.

 

5-O CARNAVAL NO TEATRO DE ARIANO SUASSUNA

Carla Oliveira Giacomini

O Carnaval no teatro de Ariano Suassuna é um trabalho que tem como objetivo apresentar, primeiramente, uma reflexão sobre as imagens carnavalescas em algumas produções teatrais do autor. Dentre as obras, selecionamos Auto da Compadecida, O Santo e a Porca, O Casamento Suspeitoso e Farsa da Boa Preguiça. Pretendemos mostrar como as categorias e ações, que compõem o universo carnavalesco, estão presentes nas situações vividas pelas personagens e nos diálogos que desenvolvem. Uma outra questão que abordaremos é a confluência de culturas, ou melhor, a transculturalidade. É uma produção literária que estabelece um diálogo entre cultura popular e cultura erudita. Ariano Suassuna põe em cena os valores do homem simples do sertão nordestino, mas também resgata aspectos da literatura erudita europeia. Tanto encontramos elementos da literatura de cordel como encontramos traços do teatro de Gil Vicente, Molière e Plauto. São imaginários, separados no tempo e no espaço, que dialogam. Há um entrecruzamento de vozes nessa produção teatral. Por fim, damos destaque ao RISO como mola mestra do universo carnavalesco. Ele é o elemento que norteia a análise proposta. Temos um riso que revela a alegria carnavalesca, mas que também aponta certas doses de corrosão. Através do riso, há uma relativização de tudo e de todos. Trata-se de um riso que derruba valores e formas de poder não para anulá-los, mas para repensá-los, para renová-los. É a alegre relativização do carnaval.

 

6-RUY BELO: A MARGEM DA ALEGRIA É O TÉDIO

Carolina da Silva Inacio

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar uma proposta de abordagem investigativa do tédio na obra de Ruy Belo. Tal proposta nasceu da vontade de realizar uma leitura da poesia beliana que consiga apreender a tonalidade afetiva de determinados poemas e excerto de poemas que se destacam por expressarem certa passividade, indiferença, lassidão e até mesmo resignação do sujeito poético na sua relação com o mundo. Até o presente momento, temos verificado que o tédio, segundo Lars Svendsen (2006) um afeto de natureza “vaga e multiforme”, se desdobra na poesia de Ruy Belo em uma multiplicidade de tons como alheamento, cansaço, angústia, enfado. Se por um lado, o tom elegíaco e melancólico da poesia portuguesa dos anos 70 se alia à “aceitação tranquila e levemente nostálgica da familiaridade com o que fica ao alcance da mão”, por outro, é a nas mãos da poesia de Ruy Belo que essa “familiaridade” recebe contornos outros.

 

7-A ENTREVISTA ENQUANTO GÊNERO AUTOBIOGRÁFICO

Dejair Martins

Esse artigo tem por objetivo fundamental analisar o papel e a função que a entrevista assume enquanto gênero pertencente a autobiografia. Para isso elaboramos nossa investigação partindo do possível diálogo entre entrevistador e entrevistado, levando-se em conta todas as prerrogativas que esse tipo de jogo dialético pressupõe, além disso, procuramos refletir nos mecanismos, estruturas e aparatos teóricos e metodológicos pertinentes a tal gênero tal particular e com características muito intrínsecas. Por fim, juntamente com os papeis de entrevistador/entrevistado analisamos o modo como o leitor lê, decodifica e assimila a entrevista e a maneira que se compõe essas três partes e os detalhes que precisamos ter mente ao pensarmos na entrevista como parte integrante do que denominamos como a grande área das escritas de si.

 

8-TRANSESCRITA, CISLEITURA: EXERCITANDO O LUGAR DE ESCUTA

Diana da Silva Rodrigues

Os debates culturais contemporâneos muito têm versado sobre o lugar de fala, tema estudado por bell hooks (1981) na obra Ain’t I a woman: black woman and feminism, tendo o termo sido recentemente usado para intitular o livro de Djamila Ribeiro (2017) O que é lugar de fala?. Tal conceito pode ser usado em diferentes âmbitos dos estudos literários. Partindo disso, este trabalho visa compreender, para além do lugar de fala, o lugar de escuta no âmbito narrativo. Para tanto, teremos como corpus a obra Transition to murder, de Renee James (2012), em que analisaremos a relação narrador-narratário. Cogitamos que a obra, além de explicitamente ter uma narradora Trans, tenha implicitamente um narratário cis. A narrativa, ao criar empatia com a personagem protagonista, a coloca em um lugar de fala que força um lugar de escuta ao narratário. Investigaremos, assim, os elementos estruturais da narrativa que nos permitam compreender que a narradora está encaminhando a cisgeneridade para dentro da transgeneridade, criando um laço empático entre possíveis leitores que desconhecem especificidades da comunidade Trans e o grupo em que a narrativa é centrada. Para nos auxiliar a compreender tais elementos, Todorov (2006), Culler (1999), Piglia (1999) e Moira (2018) nos serão caros. Acreditamos que a transgeneridade, para além de uma questão social, pode construir um novo modelo literário.

 

9-CARTA AOS VIDENTES: BAUDELAIRE, WHITMAN, RIMBAUD E BRETON

Eduardo Gerdiel Batista Graça (UFF)

Em seu Paraísos Artificiais (1858), Charles Baudelaire investiga a experimentação de uma espécie de estado de beatitude, caracterizado por peculiares alterações em nossas percepções sensoriais e morais. Ao descrever tal disposição de espírito tão rara e fugaz, Baudelaire a associa com o desvelamento (“com sua pálpebras livres do sono que as selava”) de novas percepções e relações com o “mundo exterior” (que se ofereceria, então, com renovadas nitidez, colorido e beleza), e com o “mundo moral” (que abriria, então, “suas vastas perspectivas”, “cheias de novas claridades”). A utilização desta imagética sensorial e a ênfase nesta ‘visão’ (em sentido amplo) ainda nos revelam como a experimentação da beatitude descrita por Baudelaire envolveria não apenas uma libertação dos sentidos (“pálpebras livres”) mas também uma espécie de despertar de algum tipo de torpor (“do sono que as selava”) que comprometeria a plena fruição dos sentidos, das relações com o mundo exterior e da própria vida. Neste trabalho, discutiremos a ideia desta nova visão que Baudelaire nos apresenta, sua relação com a experiência de uma beatitude, assim como a manifestação e o desenvolvimento desta ideia em textos de outros artistas e pensadores como Walt Whitman (em seu Folhas de Relva), Arthur Rimbaud (Em sua “Carta ao Vidente”) e André Breton (em seu Manifesto surrealista).

 

10-PRIMEIRA MANHÃ, DE DALCÍDIO JURANDIR: O APARECIMENTO DE LUCIANA NA VIDA DE ALFREDO

Erika G M de Aquino

Luciana é uma personagem que perpassa três romances de Dalcídio Jurandir, Primeira Manhã (1967), Ponte do Galo (1971) e Os Habitantes (1976), não como personagem principal, mas como personagem evocada pelo protagonista Alfredo. O rapaz realiza o desejo de estudar em Belém e se sente incomodado de estar ocupando o lugar que deveria ser dela segundo a convicção de Alfredo. O objetivo deste trabalho é abordar a construção da personagem feminina no mundo ficcional romanesco de Dalcídio Jurandir apresentando algumas questões concernentes à Luciana e como a personagem exerce influência em Alfredo e sua relação com o novo ambiente em que se encontra. Luciana, filha dos donos da casa que o ginasiano está, é construída pelo discurso direto de outras personagens, evidenciando-se no texto o uso da oralidade como técnica narrativa. Alfredo se sente instigado por lhe contarem a história em intervalos, suspensões, deixando, desse modo, rastros da história que o protagonista procura ligar a outros rastros, pois a ausência de Luciana é assunto que não se poderia tratar na casa em que Alfredo se encontra.

 

11-HISTÓRIAS E FICÇÃO NO REGIONALISMO DE FRANKLIN TÁVORA: UMA PROPOSTA IDENTITÁRIA NA LITERATURA DO NORTE

Fernando Pereira dos Santos

O ano de 1836 marcou o início do Romantismo no Brasil. O resgate histórico e o levantamento de suas raízes mais profundas promoveram o desejo de exaltar valores naturais e culturais que pudessem contribuir para a construção da formação de uma literatura nacional. A prosa urbana e a prosa regional, ambas com larga força e expressão em Alencar, procuraram solidificar o ideário nacional de literatura e maioridade. Nesse cenário, Franklin Távora propõe um projeto de construção identitária que o autor considera, em comparação à proposta alencariana, mais fidedigno aos elementos nacionais, quer por suas personagens, quer pela natureza rude e agreste presente em seus romances. Nesse sentido, O Cabeleira (TÁVORA, 1876) é o objeto de pesquisa deste projeto, por apresentar a fusão entre as “histórias” e a ficção elaborada por Franklin Távora, ao romancear a breve vida da personagem de extração histórica José Gomes, imortalizando-a. Nesse escopo, O Cabeleira oferece as bases para uma análise consistente da denominada Literatura do Norte, constituindo outro projeto identitário para o Brasil. Embora Távora admita Norte e Sul como dois lugares distintos, porém irmãos, a intenção do escritor, portanto, seria dar equilíbrio a essa herança cultural de modo mais equânime, uma vez que ao Sudeste do Brasil, como centro político e econômico, convergiam também os cabedais culturais e literários, monopolizando a atenção do público.

 

12-A PLURAL MODERNIZAÇÃO DO TEATRO BRASILEIRO: APONTAMENTOS INICIAIS

Frederico van Erven Cabala

Este capítulo apresenta os delineamentos iniciais de minha pesquisa de doutorado, cuja premissa parte de uma espécie de dilema da crítica e da historiografia do teatro brasileiro para tratar a renovação modernizadora que ganhou a cena teatral nacional na primeira metade do século XX. Por um lado, posicionamentos críticos vislumbram a estreia de Vestido de noiva (Nelson Rodrigues), em 1943, como o evento divisor de águas que levou uma nova linguagem ao teatro brasileiro. Contudo, há uma outra tendência crítica, sobretudo a pensada nos decênios finais do século XX, que retomam a importância de uma obra dramatúrgica escrita por Oswald de Andrade ainda em 1937 cuja estrutura parecia já se abrir a diversos elementos modernizantes. Apesar de ter sido escrita antes mesmo da peça emblemática de Nelson Rodrigues, O rei da vela só ganharia cena no ano de 1967, em uma montagem histórica do Teatro Oficina, em São Paulo. O nosso estudo, assim, pretende extrair desse dilema análises a respeito da própria natureza do gênero teatral, envolta em seu hibridismo texto/encenação, e sobre como essa ambiguidade do gênero se encontra percurso da modernização do teatro brasileiro.

 

13-REPRESENTAÇÕES DO INFERNO NA LITERATURA – O REINO DE LÚCIFER PARA DANTE E MILTON

Guilherme Nogueira Milner

Entre uma das possibilidades que nós temos para lidarmos com o final da vida humana, já pontuava Norbert Elias em Solidão dos Moribundos, era aceitarmos essa ideia de que somos mortais com a perspectiva do renascimento em outro lugar; a morte-passagem. Assim sendo, como possibilidade desses outros lugares para onde as almas poderiam se encaminhar após a carcaça na terra ficar, estariam aqueles já conhecidos da tradição cristã: o inferno, o purgatório e o paraíso. E o destino do indivíduo para algum destes lugares estaria relacionado ao tipo de vida que ele teria levado na terra: após juízo, poderia sofrer a danação eterna no fogo do inferno; poderia purgar seus pecados no fogo do purgatório até sua ascensão ou, se tivesse levado uma vida santa, se beneficiaria dos cantos no paraíso… e esses ambientes, como bem sabemos, teriam servido de caminho para Dante, acompanhado de Virgílio e Beatriz em Divina Comédia. Se a jornada dos poetas começa no Inferno, o ambiente é, também, espaço importante na obra de outro escritor, que vai narrar desde a queda de Satanás após sua malfadada rebelião contra Deus passando pela tentação de Adão e Eva e o pecado original. Falamos, é claro, de Paraíso Perdido, o poema épico do século XVII escrito por John Milton. Assim, propomos aqui uma leitura comparada dos dois infernos, o do poeta italiano e o do poeta inglês, apontando algumas de suas semelhanças e contrastes.

 

14-POIROT E SUA JORNADA ENTRE O PRESENTE E O PASSADO

Isabela Duarte Britto Lopes

Carla de Figueiredo Portilho

O presente artigo pretende estudar a recriação da figura detetivesca criada por Agatha Christie, Hercule Poirot, nas continuation novels da autora inglesa contemporânea Sophie Hannah . Neste contexto, o enfoque principal será trabalhar a importância do protagonista como uma ponte entre as obras de Christie e Hannah. Partindo da ideia de que há uma relação de intertextualidade, as obras da autora contemporânea colocam em evidência a figura de Hercule Poirot, já que este remete à imagem do detetive-herói que fez sucesso durante o século XX, mas retorna ao século XXI pelas palavras de Hannah. Desta maneira, entende-se que “Em tôdas as artes literárias e nas que exprimem, narram ou representam um estado ou estória, a personagem realmente “‘constitui a ficção.’” (CANDIDO, 2002, p. 23). Por isso, o estudo do detetive belga nestas obras contemporâneas é fundamental para compreender o aspecto intertextual do trabalho de Hannah, o porquê de seu sucesso e ainda a sua relevância para o meio literário e acadêmico. Sendo assim, o objetivo deste artigo é analisar a construção da narrativa em torno do personagem e a intertextualidade que circunda o texto além da própria figura do personagem como reflexo de um período anterior, mas que retorna para os dias atuais.

 

15-H. P. LOVECRAFT: MEDO CÓSMICO E O SUBLIME NO SÉCULO XX

João Pedro Bellas

No artigo “After the sublime” (2002), Glenn Most observa que as categorias do belo e do sublime, os principais conceitos mobilizados na modernidade para compreender os fenômenos estéticos, parecem ter perdido, entre meados do século XIX e o XX, o caráter central que tiveram outrora, sobretudo no século XVIII. Tendo em vista esse cenário, a pesquisa que vem sendo desenvolvida tem como objeto de estudo precisamente o sublime, com o objetivo de investigar se o conceito de fato perdeu a relevância que tinha em outros tempos ou se ele ainda pode ser considerado fundamental para entender determinados fenômenos estéticos. Nesse sentido, a hipótese que orienta o projeto é a de que o sublime, em vez de ter perdido relevância e desaparecido das reflexões filosóficas do século XX, teria sofrido algumas transformações, adquirindo algumas características próprias desse novo período histórico. Sustentamos que uma dessas transformações poderia ser observada na noção de medo cósmico, proposta pelo escritor norte-americano H. P. Lovecraft em suas reflexões sobre os princípios e a legitimidade da ficção de horror. O medo cósmico, a exemplo do sublime, seria uma emoção experimentada pelo indivíduo quando confrontado por um objeto que extrapola a sua capacidade de compreensão, sinalizando principalmente os limites das faculdades racionais. Com isso em mente, o objetivo deste trabalho é apresentar os conceitos de sublime e medo cósmico, com vistas a entender como o segundo pode ser tomado como uma transfiguração do primeiro.

 

16-O ELOGIO DA TRAIÇÃO EM HAMLET E CALABAR

Júlia Tavares Bessa

O objetivo do presente trabalho é apresentar as análises iniciais da traição em Hamlet (Shakespeare) e Calabar: O elogio da traição (Chico Buarque e Ruy Guerra). Para além de um exercício de comparação, pretende-se passar por questões importantes para a compreensão de ambas as obras, como trazer à tona as peculiaridades das denúncias existentes nos dois enredos e analisar os respectivos contextos de produção. Tendo em mente que a temática da traição é o elo para aproximar Hamlet de Calabar, cabe dizer que a questão central a ser investigada apresenta-se do seguinte modo: quais seriam as aproximações possíveis entre as peças ao levarmos em conta as maneiras pelas quais as denúncias de traição tomam forma? É a partir dessa temática central, e fazendo um atrelamento dos conceitos de desobediência e de traição, que se pode então questionar, bem como notar, alguns pontos do que é ser traidor ou ser traído.

 

17-A MULTIPLICIDADE DE GÊNEROS DISCURSIVOS E NÃO DISCURSIVOS NA RETOMADA DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS EM OS MEMORÁVEIS, DE LÍDIA JORGE

Karina Frez Cursino

O presente artigo tem como principal objetivo analisar brevemente a multiplicidade de gêneros presentes na composição do romance Os memoráveis (2014), de Lídia Jorge, de maneira a demonstrar, através do diálogo entre eles, como o jogo ficcional proposto pela autora retoma a Revolução dos Cravos. Para tal tarefa, serão explorados os principais gêneros constituintes do livro: o documentário, a fotografia e a entrevista, enfatizando o papel da memória para possibilitar o contato de novas gerações com o evento que colocou a população em linha de frente pela democracia no país. A metodologia utilizada é baseada na recolha e leitura de bibliografia que verse sobre o romance e os demais gêneros envolvidos na obra, visando analisar aspectos literários da obra e características desses gêneros que contribuem para o hibridismo narrativo proposto pela autora para rememorar, através da Literatura, tal evento. O trabalho conta, principalmente, com a teoria dos gêneros do discurso de Mikhail Bakhtin, incluindo os estudos sobre o romance, promovendo destaque para seu caráter multifacetado e propício ao diálogo com diversos outros gêneros, discursivos ou não. O trabalho se vale também do estudo de teóricos que discutem o documentário, a fotografia e a entrevista, passando ainda por teorias sobre a memória, fio condutor do romance, não deixando de colocar como pano de fundo também o contexto da revolução.

 

18-A ALEGORIA COMO PONTE ENTRE A LITERATURA E OUTRAS ARTES: EXEMPLOS LATINO-AMERICANOS

Laiane Marchon Ferreira

Este trabalho aborda a presença da alegoria na construção literária e sua relação com outras artes, como a pintura, a música e a fotografia. Lançando do mão da conceituação de alegoria a partir de autores que a trabalham, como Erich Auerbach, Paul de Man, Gustav Hocke, João Adolfo Hansen e Arnold Hauser, bem como conceitos relacionados a ele (figuração, mimese, metáfora, metonímia), discorreremos criticamente sobre a alegoria no que concerne à presença de manifestações artísticas não escritas dentro da obra literária escrita. É preciso ressaltar que as obras literárias utilizadas como exemplo não são textos de caráter totalmente alegórico, mas que têm a alegoria como recurso necessário em sua constituição. Como obra literária central de análise, utilizaremos El desierto y su semilla, de Jorge Baron Biza, romance argentino publicado pela primeira vez em 1998, em que a alegoria é recorrente, principalmente por meio da presença do quadro “O Jurista”, de Giuseppe Arcimboldo, pintor italiano do século XVI. Buscaremos apresentar as razões pelas quais uma pintura tão antiga faz parte de um romance contemporâneo, uma vez que é indispensável para a representação de certos personagens e elementos da obra. Além desse romance, serão analisados, a título de exemplificação e comparação, outras obras literárias de autores latino-americanos, como Concerto barroco, de Alejo Carpentier, “Las babas del diablo”, de Julio Cortázar e Um acontecimento na vida do pintor viajante, de César Aira.

 

19-ESCAVAÇÕES À CIDADE-RUÍNA: COMO CONTINUAR ESCREVENDO APÓS O FIM?

Leonardo Freitas Bezerra Vilela

A partir de uma discussão sobre a “precariedade” dos meios do romance realista em representar a experiência de um tempo marcado por catástrofes, neste artigo, pretende-se ensaiar novas formas de pensar e articular o real pela linguagem. A imagem que toma a cena é a da cidade-ruína, múltipla, como que chamando a atenção para todos os fins que este mundo já encarou. Das filmagens das ondas de lama que cobriram Mariana e Brumadinho, passando por uma cidade distópica do início do século XX, cercada por um muro verde, até chegar na natureza-morta de Tchernóbil, hoje, a pergunta que se coloca é sempre a mesma: como continuar escrevendo após o fim?

 

20-O BRASIL DISTÓPICO DE IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO: UMA LEITURA ACERCA DE “NÃO VERÁS PAÍS NENHUM” E “DESTA TERRA NADA VAI SOBRAR, A NÃO SER O VENTO QUE SOPRA SOBRE ELA”

Mykaelle Ferreira

O presente artigo objetiva investigar o conceito de distopia a partir de uma análise comparativa dos romances Não verás país nenhum (1981) e Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela (2018), do escritor Ignácio de Loyola Brandão. Nesse sentido, pretende-se contribuir para o debate acadêmico sobre o gênero distópico em uma perspectiva nacional, tendo em vista que tal gênero já mantém um cânone consolidado em literaturas de outras nacionalidades, sobretudo a partir do século XX, mas ainda se encontra em um estágio gestacional no panorama da literatura brasileira. Tal análise constitui-se como parte inicial de elaboração do projeto de pesquisa de mestrado desenvolvido para o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF). Assim, a proposta em questão debruça-se sobre tais obras para destacar características de sua elaboração e suscitar uma discussão acerca do percurso a ser desenvolvido na pesquisa. Como arcabouço teórico, utilizamos os estudos propostos por Gregory Clayes (2017), Franco Berardi (2019), Zygmunt Bauman (1998), Peter Sloterdijk (1999), entre outros.

 

21-O ESTRANGEIRO E A PAISAGEM: UMA LEITURA DE AZUL CORVO, DE ADRIANA LISBOA

Patricia Mariz da Cruz

Stefania Rota Chiarelli

A experiência do exílio, apesar de provocar o sentimento de não-pertencimento, desenvolve, no estrangeiro, um olhar crítico através da vivência do trânsito cultural. Os cenários paisagísticos, os idiomas e a vida no novo local são comparados ao vivido no passado. Diante disso, o romance Azul corvo (2010), de Adriana Lisboa, descortina-se: a narradora Vanja, ao se mudar do Rio de Janeiro para o Colorado, nos Estados Unidos, experimenta o estranhamento causado pela mudança de país. O relato das primeiras impressões sobre a paisagem demonstra a hostilidade do lugar, colaborando para a inadaptação à cultura. O ambiente local, então, é utilizado como um artifício retórico, ideia que vai ao encontro dos pressupostos de Anne Cauquelin (2007). Nesse sentido, percebe-se a influência do novo lugar na percepção e na construção dos significados dos espaços, ao conferir outra simbologia a eles. Assim, por meio de teóricos como Yi-Fu Tuan (2013) e Nelson Brissac Peixoto (1988), este trabalho tem como objetivo uma análise da descrição e do sentido que a paisagem da nova cultura adquire pela narradora-personagem de Azul corvo, mediante as características provenientes da sua condição.

 

22-ROMANCE-EM-CENA: AS NARRATIVAS DISSONANTES DE JOÃO DE MINAS E CAMPOS DE CARVALHO

Raimundo Lopes Cavalcante Jr

Este trabalho se propõe a apresentar uma leitura aproximativa dos romances A mulher carioca aos 22 anos (1934) do autor mineiro João de Minas e de O púcaro búlgaro (1964) do escritor Walter Campos de Carvalho. Tendo por embasamento teórico o pensamento de Mikhail Bakhtin a cerca da análise do discurso, buscaremos aproximar as narrativas através das críticas sociais e dos questionamentos existenciais que estas obras suscitaram. As análises a serem feitas considerarão as relações dos discursos com o local e tempo histórico nos quais foram produzidos. O elo de aproximação dessas narrativas será o projeto Romance-em-cena, reconhecido e premiado trabalho do encenador Aderbal Freire-Filho (1941) que, entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 2000, idealizou e dirigiu três espetáculos a partir dessas duas obras e ainda do romance O que diz Molero do escritor português Dinis Machado. A concepção inicial das montagens era a de que os textos dos romances fossem encenados integralmente no palco, sem adaptações para o gênero dramático.

 

23-TRAUMA E ADOLESCÊNCIA NA LITERATURA JUVENIL DOS EUA

Regina Peixoto Carneiro

Este trabalho tem como objetivo mostrar representações do trauma em algumas obras da literatura juvenil norte-americana (YA – young adult), abordando algumas discussões acerca da recorrência de temas considerados polêmicos nessa categoria literária. Pretende-se expor diferentes definições de literatura YA encontradas na pesquisa, com foco nas narrativas “realistas” (neste contexto, vê-se o termo “realista” como uma literatura que não englobe as narrativas de fantasia e distopia, por exemplo). Serão discutidas as representações do trauma, bem como outros temas considerados tabus abordados nas narrativas juvenis, em especial a violência sexual – e o possível estranhamento causado ao se pensar nesse assunto com foco em personagens e leitores adolescentes. Dessa forma, a discussão se volta para as possíveis funções desses temas em obras para adolescentes, pensando nos aspectos sociais e culturais que surgem nessas narrativas, especialmente quando se considera manifestações de movimentos como o #MeToo. Assim, traçarei um paralelo entre alguns romances que têm como tema a violência sexual.

 

24-LITERATURA, OUTRAS MÍDIAS E A FORMAÇÃO DO LEITOR HOJE

Renata Silvano Barcellos

Este trabalho pretende abordar a relação da literatura com os outros suportes e como isso influencia diretamente na formação do leitor hoje. Para isso, serão analisadas as questões da mídia, especialmente as HQs, postas em interconexão com a literatura, com objetivo de verificar como a escola se coloca diante desses novos arranjos e como o professor de literatura pode ser grande influenciador na formação dos novos jovens leitores, através da apropriação das diferentes mídias. O objeto de pesquisa para comparação será o livro Dois irmãos, de Milton Hatoum e a HQ Dois irmãos, dos autores Fábio Moon e Gabriel Bá, privilegiando o estudo deste último como gênero autônomo, verificando como se dá o trânsito de linguagens. O objetivo principal é repensar o ensino de literatura, atualmente, na escola, além de aliar a literatura às outras mídias. A pesquisa se pautará na reflexão de autores como Vera Lúcia Follain de Figueiredo, que discute os conceitos de literatura e cinema, além de Tzvetan Todorov e José Paulo Paes, que trazem reflexões acerca do ensino de literatura nas escolas.

 

25-AS PERFORMANCES NO PROJETO POÉTICO DE AL BERTO – ALGUNS APONTAMENTOS

Rodolpho Amaral

Tatiana Pequeno

Este trabalho intenta demonstrar algumas performances presentes na obra albertiana cujos pressupostos estão na ficcionalização da própria vida, isto é, o sujeito da escrita resultante de um processo de linguagem em que o empírico e o ficcional comutam entre si na confecção do texto literário. Para tanto, valemo-nos de fotografias do poeta para evidenciar as performances como um ato presente em diferentes linguagens artísticas, numa dimensão interartes própria desse projeto estético. Esses elementos paratextuais – como denomina Eduardo Prado Coelho –escamoteiam a complexa construção da estetização de si presente no conjunto da obra de Al Berto, forjando dualidades e jogos de espelho entre o biográfico e o ficcional, condições que desembocam no conceito de autoficção posto em discussão por meio do estudo de Anna Faedrich. O presente artigo procura articular de modo introdutório as performances presentes na cisão do próprio nome, na utilização de fotografias dramatizadas, na flutuação de gênero das personagens (Butler, 2015), na proliferação de vozes e na criação de duplos. Também se tornam mister para a efetivação desse texto os ensaios de Manuel de Freitas sobre Al Berto, o conceito de escrita-travesti defendido por Leonel Velloso, além das proposições de Diana Klinger acerca da escrita de si, para citar alguns pilares angariados para os nossos desdobramentos.

 

26-TEMPO EM LLANSOL: UMA POÉTICA DO PRESENTE EM ONDE VAIS, DRAMA-POESIA?

Suelen Cristina Gomes da Silva

Como poderia um texto se posicionar no tempo? O desafio é de mapear, na textualidade de Maria Gabriela Llansol as marcas de tempo, especificamente o presente em suspensão. Posteriormente, se tentará identificar quais são suas implicações teóricas e práticas à relação de interação com a obra: buscar-se-á entender o chamamento ao legente realizado por ela. As análises partem do pressuposto de que, em sua textualidade, não há uma “temporalidade linear e ficcional, pois seria este ‘um processo redutor de apreensão do encadeado dos anéis’” (BRANCO, 2000, p. 128). Ao “encontro inesperado do diverso” serão convocadas, principalmente, as vozes críticas de: João Barrento, Maria João Cantinho, Maurice Blanchot, Henri Bergson e da diretora teatral Ariane Mnouchkine, fundadora do Théâtre du Soleil e alguém que propõe uma constante partilha do presente, a fim de um entendimento sobre em que tempo(s) a textualidade Llansol se insere, a que se propõe e o que pressupõe. A jornada se delimitará ao livro Onde vais, drama-poesia?, lançado nos anos 2000, porém não se privará de contar com trechos de outros livros da autora, o que se faz coerente ao se tratar de uma obra cujos textos se fundem e perpassam formando um tecido, uma textualidade comum.

 

27-“O SAMBA É MEU DOM”: PRAZER, DOM, APRENDIZADO E TRABALHO NO SAMBA

Tatiane de Andrade Braga

É comum que o aprendizado nas camadas populares não esteja apartado do dia a dia. A transmissão de saberes nesses estratos pode envolver o ensinamento que se dá em diversas esferas da vida e do cotidiano. Trata-se de um saber mais amplo, menos compartimentado que o ensino “formal”, já que não se estrutura sobre o pilar do “especialista”. É um saber acessível a todos os que se interessam e que abrange diversas áreas, muitas delas ligadas ao conhecimento físico e empírico do mundo. No samba, a transmissão dos saberes tende a se dar de modo informal nas relações de sociabilidade estabelecidas cotidianamente entre sambistas de gerações distintas. Tais relações ocorrem no encontro, mas não são horizontais. Elas costumam ser marcadas pela expectativa de respeito dos mais jovens à “senioridade” (Blass: 2011) dos sambistas mais velhos e mais reconhecidos. Espera-se também que haja apreço pelos saberes transmitidos por esses senhores e senhoras. Uma representação do processo de transmissão de saberes do complexo genérico do samba pode ser encontrada em “O samba é meu dom”, de Wilson das Neves. Neste artigo, analiso a versão de Fabiana Cozza da canção e discuto a relação entre “dom”, “aprendizado” e “trabalho” e suas implicações para a formação do sambista, que é representada neste samba como um processo.

 

28-LES ENFANTÔMES DE RÉJEAN DUCHARME: OS DESAFIOS DA TRADUÇÃO (IM)POSSÍVEL

Thayrine Muzy Pezé

O trabalho traz uma apresentação de Réjean Ducharme bem como um breve panorama das suas obras, tomando-se como objeto principal de estudo o romance Les enfantômes que será traduzido para o português. As maiores obras do autor foram publicadas na década de 1960 no Canadá, durante um período de fundamental importância para a sociedade quebequense, a revolução tranquila. Este movimento provocou profundas mudanças nas esferas política, econômica, educacional e social da província de Quebec. Sendo assim, é possível dizer que as obras de Ducharme fazem parte de um dos processos constitutivos da representação e da construção da identidade cultural, não apenas do Quebec, mas da América pós-colonialista, compósita e móvel, em fase de emancipação, segundo os estudos de Bouchard sobre o processo de construção da americanidade. Por meio da literatura, neste caso, da obra Les enfantômes, percebemos a importância da língua como traço da construção identitária para afirmação de uma nova identidade. Não se trata de uma nova língua, mas suas particularidades a distinguirá do francês da França. Será, portanto, uma forma de ancorar um povo ao seu novo território e de se fixar enquanto ser coletivo. O trabalho de tradução desta obra será não apenas um desafio, como também trará uma pesquisa no campo da tradução devido à notável especificidade na língua(gem) do autor, bem como um estudo sobre a construção identitária das américas pós-coloniais, pois como afirma Umberto Eco, “uma tradução não diz respeito apenas a uma passagem entre duas línguas, mas entre duas culturas” (2011, p.180).

 

29-RAWET E CLARICE: DUAS VIDAS FICCIONALIZADAS

Thays Freitas de Almeida Pena

Samuel Rawet e Clarice Lispector encontraram na literatura sua forma de estar no mundo, dessa forma, os autores sobrevivem através da escrita. Intrinsecamente estrangeiros ao mundo, eles buscam de alguma forma integrar-se. É a literatura que possibilitará essa subsistência. Logo, esta pesquisa visa compreender de que forma vida e literatura se entrecruzam nessas trajetórias e de que maneira como os autores experienciaram a ficção em suas próprias vidas. Para tanto, como aporte teórico utilizo Tzvetan Todorov, que discorre sobre o fazer literário enquanto forma de viver na obra A beleza salvará o mundo (2014). Quanto a relação vida e literatura, recorro ao texto “Meditação sobre o ofício de criar” (2008) de Silviano Santiago, no qual distingue o discurso confessional e o discurso autobiográfico. Sobre os dados biográficos dos autores foram utilizados os textos de Nadia Gotlib (1995) e Graça Ramos (2011), além de outros textos que contribuíram para a fundamentação da pesquisa. Em suas narrativas, os autores entrelaçam vida e literatura no tecido vivo da escrita, pois a vida urge em Rawet e Clarice e a sinuosidade do movimento entre viver e escrever é refletido em suas obras.

 

30-O PAPEL DO DUPLO NA DESTRUIÇÃO DO INDIVÍDUO NA LITERATURA DO SÉCULO XX E NA CONTEMPORANEIDADE

Victoria Barros Moura

Este artigo tem como objetivo comparar a representação da figura do duplo na Literatura Gótica no início do século XX e na contemporaneidade. Para trabalhar a intertextualidade entre literatura e outro veículo midiático, investigo o duplo em “Consequences” (1915), de Willa Cather, e “Black Museum” (2017), um episódio de Black Mirror. Na literatura, ao analisar a relação entre original e cópia, percebe- se que uma de suas consequências é a destruição do homem, ocasionada pela figura do duplo. Otto Rank explica que há diversas possibilidades de se representá-la em uma narrativa. Contudo, todas essas diferentes formas têm em comum a relação paradoxal para com o sujeito: em muitos casos, elas têm a função de protegê-lo, mas acabam ocasionando repulsa e distanciamento. Rank também reitera que o duplo pode estar na base de uma instância crítica para observar o eu. Em “Consequences”, o duplo tem função moral de representar a consciência do indivíduo e preveni-lo. Entretanto, essa intenção de advertir o sujeito cria uma paranoia em sua mente, provocando a própria destruição do indivíduo. Em “Black Museum”, por sua vez, o duplo não surge para analisar o homem. Contudo, percebe-se que a criação da cópia revela um lado cruel na essência humana. Pretendo apontar neste artigo não só as semelhanças e diferenças entre a representação do duplo no conto literário e no episódio contemporâneo, mas também as consequências dessa relação “homem original e cópia” dentro das duas narrativas e as influências que o gótico possui em um outro produto midiático.

 

31-O TEATRO DISSONANTE DE ANTONIO ABUJAMRA – ORGANIZAÇÃO, CATALOGAÇÃO E ANÁLISE DE ACERVO

Yuri Silva Pinheiro

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o processo de organização, análise e criação do acervo físico e digital, Arquivos Antonio Abujamra e Cia Os Fodidos Privilegiados. O referido acervo, em fase de construção, propõe-se a resgatar e manter viva a memória de uma parte importante da história de diversos artistas e de um período marcante para o cenário do teatro carioca. O conjunto de arquivos reúne documentos (fotos, registros em vídeo de ensaios, textos originais usados nas montagens de peças, trilhas sonoras, críticas dos espetáculos publicadas em jornais e revistas da época, programas, projetos e etc.) e textos clássicos da dramaturgia brasileira e mundial que serviram de base para as encenações da Companhia Os Fodidos Privilegiados, trupe teatral fundada pelo diretor Antonio Abujamra, no Rio de Janeiro, em 1991. Os materiais audiovisuais que constituem o acervo passarão por um processo de decupagem e a posterior criação de um site dos Arquivos, a fim de fomentar a pesquisa e ampliar o acesso a tão valioso material de investigação acadêmica. Por fim, através dessa pesquisa em desenvolvimento – com coordenação geral do Prof. Dr. André Dias (UFF) – pretende-se contribuir para a preservação da memória do teatro carioca e brasileiro, bem como busca divulgar em âmbito nacional e internacional um importante capítulo da cultura do Estado do Rio de Janeiro.

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