Estudantes da Escola Estadual Caio Nelson de Sena, de Belo Horizonte, estiveram na AML – Academia Mineira de Letras, e entrevistaram a poeta Flávia de Queiroz Lima, cujo livro mais recente, Laços e Avessos, foi publicado na Coleção Eros-Poesia da Editora Pangeia.
Além de ouvirem a poeta, os estudantes também fizeram uma visita guiada ao Palacete Borges da Costa, sede da AML, e conheceram seu acervo bibliográfico e documental, um “material” precioso que fica sob a guarda de Soraia Lara, coordenadora do Acervo. (Foto registra a visita; Soraia está ao centro, de jaleco).
O encontro dos estudantes com Flávia se deu tendo por mote o Dia da Mulher, ocorrido neste mês de março. Transcrevemos a seguir a entrevista, tal como ela foi publicada no “Jornal da EECNS”. O texto final da entrevista foi escrito por Lisiê Marcele, do 2º ano do Ensino Médio. Além do Laços e Avessos, a publicação traz foto da escritora e do livro Arrumar as gavetas, assim como ilustrações, que também reproduzimos abaixo. Acrescentamos ao material produzido no “Jornal da EECNS” algumas outras fotos do encontro na Academia Mineira de Letras.
Mês das Mulheres
Flávia de Queiroz Lima
Academia Mineira de Letras
Flagrante da Visita à AML
Por Lisiê Marcele (foto abaixo) – 2º EM
Você sabe o que é ou onde fica a Academia Mineira de Letras?
A Academia Mineira de Letras fica localizada na rua da Bahia, 1466, no centro de Belo Horizonte. No dia 1º de março de 2024, alguns alunos do nosso jornal tiveram o prazer de visitar a AML e fazer uma entrevista com a poeta Flávia de Queiroz Lima.
Mas, afinal, o que é e o que se faz na Academia Mineira de Letras?
A Academia Mineira de Letras, também conhecida por sua sigla, “AML”, é uma instituição cultural e literária que tem como objetivo zelar pela língua portuguesa e literatura nacional.
“A mais que centenária Academia Mineira de Letras prossegue em sua missão de preservar, estudar e divulgar as línguas, as literaturas, as culturas e as artes, constituindo um polo irradiador de educação, inclusão e cidadania. A Academia mantém-se aberta para a sociedade em que se insere, sentindo-se honrada com a presença de cada participante das atividades que oferece, sempre marcadas pela qualidade e diversidade. Sejam todas e todos sempre bem-vindos!” Palavras do presidente – Jacyntho Lins Brandão.
Em entrevista, nossas repórteres questionaram a poeta Flávia de Queiroz Lima como é trabalhar em um local com tanta história como a Academia Mineira de Letras:
“É um privilégio, mas a minha história começa muito antes da Academia. A Academia é, hoje, para mim, o lugar onde eu gostaria de ter estado sempre. Porque fazer poesia não paga conta. Eu sou socióloga, me formei no Rio de Janeiro e quando eu vim pra cá, eu tinha pós-graduação em planejamento e fiz outra pós graduação em gestão pública, na Fundação João Pinheiro, trabalhei como gestora na área organizacional das empresas, das instituições, trabalhei na área de informações da Secretaria de Educação e fui consultora organizacional por 22 anos, como autônoma, ajudando as empresas a se organizarem e funcionarem melhor. E depois fui diretora de gestão de pessoas da FHEMIG- Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – eram mais de 15 mil pessoas sob a minha responsabilidade, então me exigiu muito trabalho e muito esforço. E, paralelamente a isso, eu comecei no Rio de Janeiro fazendo música e já fazendo poesia, mas comecei mais na área da música do que na poesia.”
“Talvez eu tenha enveredado pela poesia quando eu vim pra Belo Horizonte e minha parceira ficou no Rio de Janeiro. Eu comecei a trabalhar e não tinha tanto tempo pra música, então a poesia foi um reduto que eu encontrei pra levar adiante essa vertente, esse gosto pela arte, pela palavra, pela música. A minha poesia, eu procuro que ela seja muito musical, a sonoridade é o que me guia, quando eu estou escrevendo, o som é o que me guia mais que tudo. Quando eu vim pra Academia, convidada pelo Olavo, já aposentada, já no final da minha vida profissional, foi um presente pra mim. Porque eu vim pro lugar onde se respirava, se conversava sobre literatura, sobre arte, sobre poesia. É como se eu finalmente tivesse chegado na minha casa. Como se eu realmente estivesse trabalhando no lugar onde, talvez, eu devesse ter trabalhado a vida inteira, mas, infelizmente, a vida nos empurra por outros caminhos” – Palavras de Flávia Queiroz.
Quais desafios você enfrenta ao integrar diferentes áreas no seu trabalho?
“Atualmente, eu tenho uma atividade de fazer o elo entre os palestrantes e a Academia, os acadêmicos e a Academia, as atividades de relacionamento, quase todas passam por mim. Até fazer contrato de locação para alugar aquele prédio passa por mim. Eu faço revisão de textos para a academia, escrevo textos para a academia quando ela precisa de uma carta, de uma apresentação, de uma introdução, etc. Então, eu acho que a minha principal atividade atualmente é a comunicação. E eu acho que a comunicação é uma habilidade que qualquer um de vocês precisa desenvolver muito em qualquer área que vocês forem.”
Por quê?
“Porque a capacidade de falar claramente o que a gente pensa, escutar o que o outro está dizendo, processar o que o outro está dizendo e responder a partir de ter escutado, essa comunicação, eu acho que todas as pessoas precisam para a vida inteira, em qualquer trabalho que elas façam. A comunicação, através da poesia, por exemplo, é, talvez, a mais sintética de todas. Você tem que, com poucas palavras, conseguir falar muito. Mas eu acho que a comunicação diária, comunicação com os palestrantes, tem que ser adequada a cada tipo de pessoa. Tem pessoa que gosta de muito detalhe, a outra gosta de três palavras. Então, você vai aprendendo como é se comunicar bem com os diversos tipos de pessoas. Acho que é esse o meu trabalho hoje e eu não faço com dificuldade, não. Eu passei por tantos lugares, eu conheci tantas empresas, eu trabalhei em tribunal de justiça, eu trabalhei em empresas pequenas, para empresas de transportes, para empresas de todos os tipos, e fui aprendendo. Em uma ONG, acho que foi onde eu recebi um dos melhores elogios que eu já recebi na minha vida profissional. Era uma ONG que trabalhava com favelas do Rio de Janeiro. Eu fiz um projeto de reestruturação, de organização dela, e fui apresentar esse projeto no final do trabalho para todos os membros dessa organização, muitos deles moradores de favelas. E eu expliquei um projeto de planejamento e, no final, o diretor me falou assim: ‘Você é uma poliglota cultural. Você consegue falar com pessoas das mais diversas culturas. Você transformou essa linguagem toda técnica de planejamento em exemplos e situações que todos entenderam.’ Então, para mim, esse foi o maior elogio que eu já recebi, e eu acho que é isso que a gente precisa aprender a ser: poliglota cultural, falar com todas as pessoas a linguagem que seja acessível para elas e compreender qualquer linguagem que venha delas também.”
Quais conselhos você daria para quem busca integrar diferentes habilidades e paixões em sua carreira?
“Olha, primeiro ler. Eu comecei muito pequenininha lendo muito. Bem, eu estudei piano antes de aprender a ler, então, tocar um instrumento, quem puder aprender, eu acho que é uma habilidade que faz um bem pra gente maravilhoso. Você nunca está sozinho se você sabe tocar um instrumento. Mas ler muito é fundamental para adquirir vocabulário, para adquirir diferentes formas de falar sobre cada assunto, para conhecer lugares onde você nunca vai. Por exemplo, tem um poema nesse livro Sobre Viver, o último poema dele é uma foto do deserto do Saara e o verso fala o seguinte: o olhar impregnado de certezas, distorce a cena viva.”
“A gente não pode ter certezas, quantas certezas a gente tiver, mais a gente vai ter que descobrir que não era bem assim, ou que pode não ser assim, ou que antes era assim e agora já não é mais. Por exemplo, a Carmen mesmo falou, agora não precisa mais cerzir as linhas porque agora temos as máquinas. Não precisamos mais fazer muitas coisas que fazíamos porque agora temos máquinas que fazem por nós. Não podemos ter certezas. E eu acho que essa é uma aprendizagem. O olhar impregnado de certezas distorce a cena viva, o chão mutante. Minha sobrinha me falou assim: ‘Tia, parece que a senhora foi no deserto do Saara, porque lá o vento vai mudando a paisagem. Então você pensa que uma duna está aqui, outra hora a duna não está mais ali, está em outro lugar.’ Então, sem querer eu escrevi sobre o deserto do Saara sem ter ido lá. Provavelmente porque eu li algo sobre o deserto. Então, acho que ler é fundamental. E a terceira coisa que eu acho fundamental, é aprender a ouvir. Eu fiz psicanálise durante um tempo, fiz individual e em grupo, e em grupo eu aprendi muito a ouvir.”
“Mas ouvir mesmo, não é ouvir já preparando a resposta, é ouvir, depois pensar a resposta, depois falar a resposta.”
“Acho que são essas habilidades que fazem muito bem pra vida das pessoas. Aprender um instrumento, se possível, ler muito e aprender a conversar, aprender a se comunicar bem, expressar o que a gente pensa. Por exemplo, quando nos contos de fadas, os gênios vinham satisfazer os seus desejos, ele não fazia ‘plim,plim,plim’, ele te perguntava: O que você quer?”
“Então, a gente aprender o que quer, aprender a expressar o que a gente quer, expressar o desejo. Eu escrevi muito sobre isso. A palavra ‘desejo’, não só o desejo sexual, claro, mas o desejo, aquilo que move a gente a viver, o desejo de fazer coisas, de existir, de criar, de pensar, de escrever, de tudo. A gente precisa saber qual é o desejo da gente pra comunicar ao outro pra ser atendido, se não a gente não é atendido.”
Qual livro mais impactou em sua carreira?
“Difícil, porque tem muitas épocas, né. Olha, na minha carreira, acho que ler poesia foi muito importante. Engraçado é que não foi o Grande Sertão: Veredas que mais me impactou. Mas eu acho que, por exemplo, O nome da Rosa, do Umberto Eco, foi um dos livros que mais me impactaram. Aquela capacidade dele de manter o mistério em um livro daquela grossura, e você fica o tempo inteiro querendo saber qual é o mistério, o que que aconteceu, por que aquelas pessoas estão morrendo, sendo assassinadas. Então, acho que foi um dos livros que mais me impactaram pela capacidade dele de prender a atenção da gente. E outros livros também, como por exemplo, O homem que amava os cachorros. Acho que foram esses dois que mais me impactaram.”
Ao final da entrevista, nossa repórter Ana Luiza recitou o poema “Apetrechos e manias”, de um livro da Flávia, em homenagem à escritora. Em seguida, Flávia nos presenteou com alguns exemplares de seus livros para termos em nossa escola; esses livros, agora, estão disponíveis em nossa biblioteca.
E aí, o que vocês acharam?
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