“Desatino”

O Dia do Poeta tem Flávia de Queiroz Lima em

DESATINO

Quando a bala rasga a arma
e tudo atravessa, às cegas,
arromba corpos e vidas
como se risse às avessas.
Pulsando fora da régua
que separa e paralisa,
mundos fechados, cindidos,
revolvem fúrias sem trégua.

Tudo que explode aniquila,
lança projéteis perdidos,
revela um tempo em destroços,
tritura infâncias, destinos,
derrete o rumo invisível
do próprio deserto humano
– como se o sangue que escorre
nos jorrasse o desatino.

Tantas fronteiras se erguendo,
tantas milícias perenes,
tanto espaço transformado
nos escombros de milênios…
Quando o terror move o gesto
traçando um rastro inclemente,
em cada bomba que estronda
geme o eco das sirenes.

Em mundos nem tão distantes
onde a guerra encontra um alvo
e abre crateras no medo,
deixando o afeto em frangalhos,
somos reféns, testemunhas
do desvario estampado,
quando o cruel tece o insano
detonando o desamparo.

20.10.2023
Flávia de Queiroz Lima

Flávia de Queiroz Lima é poeta, letrista e compositora, sendo ainda sensível leitora de ficção e de poesia, escrevendo pequenas e densas resenhas de suas leituras. Publicou quatro livros de poemas em quarenta anos: Círculo de Giz (Vigília, 1983), Arrumar as Gavetas (acompanha CD, 2012), Sobre Viver (Caravana, 2019) e Laços e Avessos (Dionysius / Pangeia, 2023).

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