Carta-Resenha-Prefácio para Vanessa Cristina Dias de Souza

A título de Prefácio ao livro Giras e identidade negra: narrativas de emancipação, de Vanessa Dias, a profa. Camila Lima Coimbra, da UFU, escreveu uma resenha em forma de carta à autora.

Reproduzimos abaixo esse texto:

Uberlândia, 27 de agosto de 2024

Querido/a leitor/a,

Tive o prazer de conhecer a Vanessa, mesmo que à distância, no dia de sua defesa de Mestrado, em 30 de junho de 2023, na Unicamp. Como suplente da banca, fui chamada para a necessidade. “Fui tomada de susto”, como diria minha avó materna, para conhecer o seu trabalho e participar de sua banca de defesa. Tenho que começar dizendo que senti muito não ter vivido mais essa experiência. Gostaria de ter convivido mais com o trabalho e com a pesquisadora, e queria ter podido estar inteira ao lado de vocês.

“Chorado o leite derramado”, outra expressão de minha avó materna, agradeço por ter tido a oportunidade desse susto-encontro. A escrita da Vanessa é um convite, pela honestidade de sua história, baseada em reflexões singulares e que exemplificam questões sociais com uma intensidade que dá essa inteireza convidativa de seu trabalho. Uma prazerosa leitura, mesmo na correria, ri, fiquei triste, te imaginei, fui contagiada pelo seu sorriso e por sua boniteza nas reflexões expostas. Elas nos fazem re-pensar os conflitos cotidianos como o racismo estrutural, a desigualdade social, o machismo e o patriarcado impregnado em nossas histórias.

A ruptura é um convite feito pela Vanessa. Re-pensar em nossa forma de ser e agir no mundo. Vanessa convida as pessoas a se conhecerem. Convida as pessoas a se re-conhecerem em suas histórias. Convida as pessoas a se humanizarem com o engajamento social que vive e referencia-se.

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Eu decidi escrever a Carta ao leitor/a porque, em minha história, as cartas que recebi foram de amor. Então receba daqui, cada palavra como se fosse um gesto de amor meu, em sua direção. Para que as emoções, que senti ao ler o texto da Vanessa, possam também ser sentidas por você.

Além de emoções, há também a provocação que ela consegue fazer, ao papel de uma mulher branca na sociedade. Este trabalho me impactou sobremaneira nas reflexões de meu papel neste Brasil racista.

Para mim, tu amas na medida em que tu não te aproprias do sujeito e nunca do objeto do teu amor. Dizendo isso, em outras palavras, quer dizer, tu amas na medida em que tu experimentas uma busca de liberdade no outro e com o outro. (Verbete: Amor, Paulo Freire)

O seu amor é vivido em um processo de libertação.

A Vanessa conta-reflete sobre essa história de amor como se fosse você mesmo, com sua família, com sua ancestralidade, com a juventude, com a transgressão e com o movimento de uma práxis autêntica, como diria Freire.

Vejo Freire no trabalho. Vanessa o materializa em sua existência. A busca dela, como pesquisadora, é pelo ser mais; ela está convicta da possibilidade de mudança, porque é a própria mudança e por fim, compreende-se na corporeificação das palavras pelo exemplo. O exemplo é um convite feito pela Vanessa.

Em uma entrevista que eu, Nima-camarada e Gabriel fizemos, com Fátima Freire, nas Comemorações do Centenário de Paulo Freire, ela disse:

Então, o meu primeiro trabalho na formação, para uma educação transformadora, reflexiva, é justamente o acordar essa criança interna. É muito bonito, porque o que segue num segundo momento nesse processo de formação, como eu concebo, é devolver a pessoa a ela mesma […] Ao não separar o teórico do prático. Ao não separar o teu desejo e a forma que você está no mundo, você faz impacto no corpo do outro. […] Ou seja, na verdade, o mais importante, que eu descobri ao longo desses anos, é que não importa a intensidade de seu desejo, você não ensina a desejar, tu vives. […] Você está tão presente, você vive com tamanha intensidade aquilo que você acredita, aquilo que você está querendo construir que aquilo fica no corpo do outro, não tem como não ficar. (FREIRE, 2021)

Vanessa vive. Viver é o testemunho de sua “teoria do fazer”, de sua práxis. Fátima Freire (2021) transpira essa ideia de que “quem ensina marca o corpo do outro”, quando diz da presença e da sua inteireza no processo,e bem como a busca pela coerência, mesmo ciente de sua contradição. Não separar as coisas, mas de juntá-las. Talvez seja essa a aprendizagem dessa minha leitura: juntar. Estar junto.

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A convivência é um convite feito pela Vanessa. E, talvez, nesse convite, tenha um pouco, ou um tanto, da orientadora, Nima Spigolon (2002), que escreveu Elza Freire e Paulo Freire: por uma pedagogia da convivência. Tive a honra de fazer o prefácio desse livro, no qual expressei:

Para além do exemplo encarnado, respeito a Nima-flor pesquisadora. Um exemplo de originalidade, de perseverança, de cuidado rigoroso com as fontes e, especialmente com as pessoas. O movimento da Nima-flor, na construção de seu trabalho de pesquisa, encontra com a história familiar de Paulo Freire. Com seus filhos e filhas. Em minha singela leitura, nasce assim uma relação respeitosa, humana, transparente e amorosa. Nimaflor fez um trabalho de pesquisadora que é exemplo. Não usa as pessoas como dados, mas constitui-se com as pessoas o seu fazer-pesquisadora. Construiu essa relação com amorosidade e com rigorosidade. (COIMBRA, 2022, p. 32)

Aprendi muito com minha parceira-camarada de leitura, de provocações, de inquietudes freireanas na nossa existência como professoras, pesquisadoras, orientadoras e mulheres.

A Vanessa apropria-se dessa busca incessante em ser mais. Seu texto não apenas convida, mas também revela isso. Claro que não iria encerrar sem antes provocar o/a leitor/a a pensar sobre a necessária mudança social, a mudança da linguagem também como uma forma de mudança. Como mulher, sinto que essa masculinidade da norma culta na linguagem precisa de mudanças em diversas dimensões. Como uma educadora, hoje a leitura que não assume a sua politicidade me incomoda. Ao colocar-se na linguagem, assume também a ruptura necessária nessa sociedade. Espero que o texto da Vanessa nos ajude neste voo que também transforma a linguagem nesse lugar de mudança provocada por reflexões necessárias na educação e em nossa sociedade.

E para encerrar, tem uma música da Elis Regina que se chama Andança que diz:

“Me dá a mão
Amor
Me leva, amor
Por onde for, quero ser seu par
Me dá a mão
Amor
Me leva, amor
Por onde for quero ser seu par”

Como Elis Regina canta, eu quero que o/a leitor/a encontre seu par nesta leitura e aprenda o Jongo com a Vanessa. Quero que seu livro seja lido por muitos e muitas, pois suas giras nos fazem girar na direção do direito, à justiça e à libertação.

Citando uma das autoras mencionadas no livro, como mulher branca, reconheço e permito-me aprender e a lutar ao lado de Vanessa,

O conceito de lugar de fala discute justamente o locus social, isto é, de que ponto as pessoas partem para pensar e existir no mundo, de acordo com as suas experiências em comum. É isso que permite avaliar quanto determinado grupo — dependendo de seu lugar na sociedade — sofre com obstáculos ou é autorizado e favorecido. Dessa forma, ter consciência da prevalência branca nos espaços de poder permite que as pessoas se responsabilizem e tomem atitudes para combater e transformar o perverso sistema racial que estrutura a sociedade brasileira. (RIBEIRO, 2014, p.18)

Ao ler este trabalho, responsabilizo-me com a luta de uma pedagogia decolonial que intenta uma revolução nos currículos das escolas públicas brasileiras. Essa transformação começa também pelas mãos da juventude e de educadoras como nós, que lutamos de par, em roda, com alegria e esperança.

Meu sonho é que toda criança negra neste país tenha a oportunidade de estudar em uma escola onde as educadoras sejam Vanessas – sinônimo de inteireza, amorosidade, politicidade, conscientização e liberdade.

E como se ensina? – Sendo!

Por onde for, procure seu par.

Com amor,

Camila Lima Coimbra
Professora da Universidade Federal de Uberlândia

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