O Cardeal Bergoglio, na assunção ao Trono de Roma como Papa Francisco, busca no simbolismo de Francisco, o Santo de Assis, constituir marca identitária construída ao longo de oito séculos, mas mais precisamente no século imediatamente seguinte à vida do primeiro Francisco. É o caminho da santificação, da construção textual e simbólica do Pobre de Assis nos primeiros séculos, que o trabalho de Fernanda Amélia Leal Borges Duarte percorre, com fôlego, com acuidade, iluminando as fímbrias do jogo histórico daquele momento que o largo tempo de memória vem comprovar.
Eis algumas questões candentes em volta do tema:
- Quais são as tramas dos meandros da Cúria Romana na santificação de Francisco?
- Quais discursos e narrativas são construídos naquele momento e com quais objetivos táticos?
- Qual a imagem santificada que fica para a História?
- Qual a apropriação contemporânea o estudo faz dessa construção textual?
Fernanda Leal Duarte anota:
“as representações e as santidades construídas em torno do santo foram feitas gradualmente. Primeiro aconteceu a canonização, depois a hagiografia de Tomas de Celano que, dentre outros aspectos, discorria sobre o corpo reconhecido como relíquia e mais tarde, outras produções hagiográficas continuaram as discussões internas sobre os textos escritos por São Francisco.”
Por seu lado, a estudiosa Renata Cristina de Sousa Nascimento (UFG; PUC-GO) comenta:
“O universo religioso medieval tem sido frequentemente revisitado, sendo inserido de modo contínuo em diversas publicações que pretendem alcançar um público mais amplo. Este livro insere-se nos recentes debates historiográficos, e tem por pretensão desvendar as representações de santidade que envolvem a construção discursiva da vida e morte de Francisco de Assis (1181/1182- 1226), personagem central também para a compreensão do meio citadino e cívico do Ocidente Medieval. São Francisco faz parte de uma memória, e de um projeto que visava a conversão das massas, através de um modelo exemplar, que tinha por finalidade uma aproximação mais profunda com o próprio Cristo. Rememorado nas hagiografias sobre sua vida e ministério, o santo é catalizador da essência do cristianismo da Baixa Idade Média, tendo sua imagem servido a interesses vários, sendo também objeto de disputas e representações.”
O Papa Bergoglio, ao se apresentar como Francisco, evoca essa tradição de quase novecentos anos, dando a ela as cores do nosso tempo. Momento oportuno para revisitar a construção da imagem que a Cúria Romana agora quer reencetar. Em linguagem cotidiana, sem abrir mão do rigor acadêmico e da pesquisa acurada, o livro de Fernanda Leal Duarte nos abre a porta de um mundo ao mesmo tempo antigo e novo, nas persistências e continuidades históricas do medievo nesses tempos de ocaso dos capitalismo industrial e do capitalismo financeiro.
Mestre em História e atuando como professora na Educação Básica, a autora faz no momento o doutorado em Estudos Literários, no PPG-Letras do Câmpus de Três Lagoas da UFMS.
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Capa sobre quadro de Giotto.