Neste livro são discutidos aspectos estéticos da novela Os caminhantes de Santa Luzia (1959), de Ricardo Ramos. Para destrinchar o sagrado no silêncio, a pesquisadora Elcione Ferreira Silva estuda a construção estética da narrativa a partir das propostas de Italo Calvino para a literatura do 3º milênio. Também se vale dos estudos sobre o espaço de Osman Lins, a taxonomia do ponto de vista de Norman Friedman e as lições de Bakhtin sobre as vozes dialógicas. Para a interface do profano e do sagrado, se vale dos estudos clássicos de Mircea Eliade sobre o tema. Tendo em vista a construção de sentidos por elementos do silêncio, se volta para as proposições de Eni Orlandi. Com tal arcabouço teórico, desvela as teias submersas que discreta e eficientemente interligam o sagrado ao profano por intermédio do silêncio, seja o voluntário, seja por imposição ideológica ou de exercício do poder temporal.
Na novela de Ricardo Ramos, o silêncio infunde dialeticamente a ação. Por um lado, o silêncio pode ser conquistado pelo uso das palavras que, avolumadas, ou politicamente direcionadas, tendem a promover o esmaecimento ou embrutecimento da nossa consciência e sensibilidade; por outro, a ausência de palavras nos condena ao silêncio, notadamente, pela nossa condição gregária em que valorizamos o verbo. Tensão trágica.
Mas tal dialética do silêncio versus a palavra diz pouco sobre a abordagem que a pesquisadora realiza. O silêncio se anuncia em todas as possibilidades: se negando, se complementando, se revelando e se anunciando sempre na tensão imanente da realidade contraditória: mataram a Santa e a remissão do crime requer uma construção discursiva adequada que, inevitavelmente, nunca se efetiva, por mais que seja adaptada à contradição que emerge.
As ferramentas operacionais do estudo são a dialética (movimento da consciência e dos acontecimentos) e o dialogismo, que desvelam a personagem Luzia absorvida pelo meio e a maneira com que ela será manipulada utilitariamente para fins políticos. Evidencia-se também a tentativa de anulação da beata e toda a metafísica que a envolve, por conta de um olhar profano à mulher na dimensão física de sua beleza. Assim se acentua a tensão entre o sagrado e o profano.
Esse Brasil arcaico, antigo, reacionário, conservador, criminoso na ação e no silenciamento, que salta das páginas de Ricardo Ramos e são evidenciados na leitura atenta de Elcione Ferreira, dialogam com permanências históricas que, sessenta anos após o lançamento do livro e dez anos após a redação do estudo aqui publicado, se mostram atuais, pulsando no Brasil dos rincões e das franjas das metrópoles.
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