O escritor mineiro Rauer lançou em 2019 o livro QOHELET, nomeando o poema como “Narrativa Lírica”. O volume saiu pela Edições Dionysius, selo da Editora Pangeia. Conforme os paratextos contidos na obra, a primeira edição do poema QOHELET foi lançada, em edição caseira, fora do mercado, em 2006.
Em QOHELET, o leitor visualiza vários temas característicos da obra de Rauer, dentre eles, a ironia, o amor, o erotismo, a mundanidade do religioso, a simbiose entre o sacro e o profano, o diálogo intertextual e, em palimpsesto, autointertextual ─ neste caso, com seus outros seis livros já publicados.
Além de primorosa apresentação gráfica, essa edição do QOHELET contém interessante estudo sobre “A presença do Erotismo na escrita de Qohelet, de Rauer”, assinado por Cris Guzzi, doutora em Estudos Literários e produtora cultural na área de cinema.
Dividido em três cantos, QOHELET, de Rauer, dialoga com com os livros bíblicos do “Eclesiastes” e do “Cântico dos cânticos”, do Antigo Testamento; e também com diversos autores das mais distintas tradições literárias, como Epicuro, Sêneca, Gregório de Matos, Claudio Manoel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, Kafka, Hemingway, Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa; também evoca alguns poéticos e sapienciais textos da literatura universal, em sincretismo que poderia não funcionar, mas que o maduro engenho e a estudiosa arte de Rauer logram elevar a alto estatuto narrativo e poético.
QOHELET é admirável graças à capacidade de condensar o sacro ao profano, o lírico ao existencial, o extraordinário ao banal, o riso à ironia, desvelando a personalidade autoral em poesia que celebra a amarga condição do ser e elucida alguns aspectos da complexa dualidade entre o indivíduo e a sociedade.
Lírica, erótica e equilibrada, a narrativa lírica QOHELET, de Rauer, alça voo para além das metáforas, dos jogos de palavras, das rimas alternadas e dos versos decassílabos, em terza rima, com assonâncias internas que amplificam significados, em fusão da fanopeia à logopeia e à melopeia.
Sobre o erotismo, que alia o corpo do poema ao corpo sexualidade das “personas” em cena, Cris Guzzi comenta que é “da força potencializada pela pena do relato que se fez o corpo da escrita de Qohelet”. Dentro das questões relativas ao erotismo e à escrita literária, evidencia-se o quão inovadores e lautos podem ser os estudos oriundos dessa obra de Rauer.
Exploremos uma leitura mais densa e aprofundada de outra vertente: o modo pelo qual Rauer tece, em QOHELET, uma teia intertextual e de autointertextualidade, em palimpsesto que recobre com a própria voz uma multidão dialógica de outras vozes.
Assim, o narrador e o eu-lírico, ou o eu-poético que se torna narrador pela voz delegada que receba e pela qual se manifesta em discurso direto, faz remissões, evocações e reflexões sobre a vida, sobre o homem, sobre um espaço-tempo modelar que espelha o mundo contemporâneo, simultaneamente histórico e mítico, e ao reflexo do referente cria cosmovisão peculiar, produz raciocínio e nos força a pensar em profundidade sobre nossas próprias vidas.
QOHELET, para além da leitura acadêmica que proponho, no que aliás é o mais importante, é primoroso texto sobre o prazer e sobre a liberdade ─ sobre a sabedoria da liberdade e do prazer.
Por isso, será, sempre, uma…
Boa leitura!
Luciene Lemos de Campos
Mestre em Estudos Fronteiriços,
com pesquisa em literatura
Professora na SED / MS