Eduardo Suplicy, então senador da república representando o Estado de São Paulo, atuou intermediando a situação conflituosa que surgiu na reintegração de posse na região do Pinheirinho, em São José dos Campos, em janeiro de 2012 – a partir da vivência daquele momento, ele assina o prefácio do livro Jovens do Pinheirinho: vivências e memórias, de Vanda Siqueira.
Confira AQUI mais informações sobre a autora e o livro e leia, abaixo, a íntegra do prefácio de Suplicy.
Os Jovens do Pinheirinho
Eduardo Matarazzo Suplicy
Os “Jovens do Pinheirinho” contam como foi morar numa ocupação realizada por 1.800 famílias numa área de São José dos Campos, que estava em nome da massa falida de Naji Nahas, a partir de 2004, e como foi terem sido objeto de reintegração de posse em que houve centenas de feridos, muito gás lacrimogênio, balas de borracha, cachorros, cavalos, tratores derrubando casas, muitas lágrimas, muitas mães desesperadas.
Vanda Siqueira nos conta neste livro como foi a percepção dos jovens que ali viveram desde crianças e seus sentimentos, até passarem a ter o direito de viver, a partir de 2016, num conjunto habitacional “Pinheirinho dos Palmares”, criado pelo “Programa Minha Casa, Minha Vida”, pela presidenta Dilma Rousseff, em cooperação com o prefeito Carlinhos Almeida.
Como senador à época, e representante do estado de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores, tive a oportunidade de acompanhar de perto a insensatez de autoridades que foram responsáveis pela truculência, violações de direitos humanos e desatenção aos menos favorecidos. Tratava-se de um terreno, fruto de grilagem, que nunca recolheu impostos, devia milhões aos cofres públicos e que, por mais de 30 anos, nada de socialmente útil produziu.
A história do Pinheirinho começou em abril de 2004, quando pessoas sem moradia passaram a ocupar a área. Ainda em 2004, o proprietário obteve reintegração liminar, que não chegou a ser cumprida. Em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, em 9 de fevereiro de 2012, o Professor José Osório Azevedo Junior observa que, devido a um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram no local:
“Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa ordem que o Poder Executivo cumpriu em 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas, inclusive tratores, para realizar a demolição daquela que era praticamente uma pequena cidade. A ordem, porém, era inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente. O que era um bairro rural se tornou um bairro urbano.”
No início de 2012, os líderes da Comunidade do Pinheirinho fizeram apelos para que houvesse um entendimento entre a Prefeitura, o síndico da massa falida, na qual estava inserida o terreno, além dos governos estadual e federal, para que os direitos dos habitantes fossem preservados. Juntamente com o deputado federal Ivan Valente (PSOL), os deputados estaduais Carlos Giannazi (PSOL) e Adriano Diogo (PT), conversamos com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ivan Sartori. Propusemos a suspensão da ordem de reintegração de posse da área, pois estávamos prestes a concluir os entendimentos para a destinação do terreno para a comunidade de aproximadamente sete mil pessoas.
Orientados por Sartori, conseguimos um entendimento que propiciou a suspensão da reintegração de posse por 15 dias, a fim de que fossem concluídos os acertos para a destinação social da área. O juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, em despacho no próprio texto de acordo firmado com o síndico da massa falida, Jorge T. Uwada, registrou que telefonara para a juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, da 6ª. Vara Civil de São José dos Campos, responsável pela ordem de desocupação, informando sobre o acordo e o prazo de 15 dias para o entendimento.
As negociações continuaram. Em 19 de janeiro participei, na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de uma reunião com a secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães. Na ocasião, relatou-me a disposição de realizar um entendimento com o prefeito Eduardo Cury (PSDB), de São José dos Campos, e com o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Na mesma tarde, o governador me transmitiu que o governo do Estado estava disposto a realizar obras de infraestrutura no Pinheirinho, desde que concluídos os entendimentos com os três níveis de Governo.
No dia 20 de janeiro, o prefeito de São José dos Campos esteve em minha casa, quando conversamos por mais de uma hora sobre a situação da comunidade do Pinheirinho. Ele disse que compreendia o problema dos moradores e que queria resolver a questão. Também relatou os diálogos que, ao longo desses anos, tivera com algumas das lideranças da ocupação, de como houve divergências, ainda que se sentisse responsável, como prefeito, pela educação e saúde, sobretudo das crianças da comunidade.
No sábado, dia 21, fui a São José dos Campos participar da assembleia dos moradores do Pinheirinho, aos quais transmiti as negociações até então realizadas. Recomendei a todos muita serenidade e lembrei as recomendações de Martin Luther King Jr, de que contra a força física devemos utilizar a força da alma. Consultei os 600 participantes sobre a disposição de bem receber o prefeito Eduardo Cury para conversar sobre a melhoria de atendimento dos serviços essenciais de educação, saúde, dentre outros. Todos os presentes levantaram a mão em sinal positivo.
Infelizmente, pouco depois, o acordo foi rompido. No dia 22 de janeiro, um domingo, às 06:30, o vereador Tonhão Dutra do PT de São José dos Campos me ligou com a informação de que a Polícia Militar, com um grande efetivo, havia cercado a área e iniciado uma invasão para desalojar todas as famílias.
De imediato, fui para o Palácio dos Bandeirantes falar com o governador Geraldo Alckmin. Cheguei às 07:30, e, às 8:30, ele me recebeu para um café e me assegurou que a PM agiria com todo o respeito e civilidade junto à população, sem emprego da violência.
Entretanto, durante nossa conversa, recebi telefonema informando sobre bombas de gás lacrimogênio e tiros de bala de borracha que estavam sendo disparados na reintegração. Dava para ouvir pelo telefone. O governador, então, ligou para o juiz Rodrigo Capez, que se encontrava no Pinheirinho por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, com a responsabilidade de evitar quaisquer abusos. Ele disse que procuraria assegurar junto ao coronel Messias, que comandava a operação, procedimentos mais adequados.
A Operação Militar ocorreu porque o juiz da 18ª. Vara Cível de São Paulo, Luiz Bethoven Giffoni Ferreira, por razões não esclarecidas até hoje, havia reconsiderado sua decisão anterior, quebrando o acordo firmado por todas as partes envolvidas, que considerava o prazo acordado de quinze dias para o entendimento final. Esta decisão, que não levou em conta suas graves consequências sociais, somente foi publicada em 26 de janeiro. Não poderia, pois, o próprio presidente do Tribunal de Justiça, Ivan Sartori, dar anuência à reintegração de posse antes da publicação daquela decisão, que foi tomada sem qualquer comunicação às partes interessadas.
Sobre o modo como foi realizada a reintegração de posse do Pinheirinho, os depoimentos dos moradores, autoridades, testemunhas e jornalistas que lá estiveram nos dias 22, 23 e 24 de janeiro de 2012 indicavam que houve gravíssimos abusos cometidos por parte das autoridades policiais, sintetizados em relatório colhido pelo Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Paralelamente a estes episódios, no dia seguinte à desocupação fui chamado à São José dos Campos para averiguar grave denúncia sobre o que ocorrera naquela noite de 22 para 23 de janeiro, a um quarteirão do Pinheirinho, no bairro Campo dos Alemães. Às 23:40 do dia 22, três viaturas da Rota estacionaram em frente a uma casa, cuja porta de entrada se encontrava semi aberta. Sem nenhum mandado os policiais invadiram a casa, e acusando um dos moradores de portar drogas ameaçou-o de violência sexual caso não dissesse onde a suposta droga se encontrava. Como se não bastasse, o policial ordenou ao pai de 65 anos que permanecesse no quarto e praticaram violência sexual contra sua companheira e também com outra moça que se encontrava no local.
Tais depoimentos foram ouvidos presencialmente por mim e pela jornalista Laura Capriglione, então da “Folha de S. Paulo”, e pela fotógrafa Marlene Bérgamo, também da “Folha”.
Após ouvir estes depoimentos, voltei a São Paulo e os relatei ao governador Geraldo Alckmin, que determinou rigorosa apuração dos fatos, o que foi efetivamente realizado. Confio que grande maioria dos membros da PM são pessoas corretas e defensoras dos direitos humanos. Mas é muito importante que nossas autoridades estejam sempre a exigir o cumprimento do devido respeito aos direitos da pessoa humana.
O episódio do Pinheirinho é lamentável porque tudo levava a um entendimento entre as partes, mas a truculência prevaleceu. Destruíram um bairro inteiro de casas de alvenaria, com ruas traçadas, praças e avenidas, seis igrejas evangélicas e uma católica, com o sugestivo nome de Madre Tereza de Calcutá, localizada na Praça Quilombo dos Palmares. Também na praça estava localizado o barracão de assembleias, onde, aos sábados à tarde, eram realizadas reuniões e confraternizações das famílias.
No dia 25 de março de 2014, a então presidenta Dilma Rousseff foi a São José dos Campos assinar a ordem de serviço para a construção de casas do programa “Minha Casa, Minha Vida”, Residencial Pinheirinho dos Palmares, na gestão do prefeito Carlinhos Almeida. Em memorável cerimônia, ali estavam presentes e emocionadas cerca de três mil pessoas, a maioria mulheres com crianças e jovens, que são personagens deste tão importante livro de Vanda Siqueira. Com condições de financiamento bastante favoráveis, em dezembro de 2016, as casas foram entregues para aquelas famílias.
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Ilustração: SOUZA, Adriana Nunes, 2023. Técnica mista:
desenho em aquarela, ilustração digital feita com base
na foto de Rosevelt Castro/Agência Reuters